Blog dos Caruso

9R3, o Porsche de Le Mans que nunca foi para a pista

Compartilhe!

Nunca ouviu falar no Porsche 9R3? Nada preocupante, pois poucos conhecem o  9R3, código interno da Porsche referente a um carro muito especial criado para Le Mans. A sua secreta existência foi negada oficialmente pela marca durante anos, mesmo depois que imagens do protótipo circularam. Nunca correu, e finalmente sua conturbada história se tornou conhecida.

1999_Porsche_9r3_3

Em 1998 a Porsche subiu no lugar mais alto do pódio em Le Mans com o 911 GT1-98. Foi a 16ª vitória da marca na lendária prova, apesar da dificuldade do 911 GT1 em enfrentar concorrentes como o quase imbatível Mercedes CLK-LM ou o Toyota GT-One. Foi o azar deles que permitiu a vitória da Porsche. Por isso, um novo carro tornava-se necessário para não fazer feio no ano seguinte.

Porsche-911-GT1-Evolution-1.
Porsche-911-GT1-Evolution-1.

Com a extinção da categoria GT1, apenas a categoria LMP900 (Le Mans Prototypes) reunia as condições necessárias para buscar a vitória absoluta em 1999. Por trás do novo carro para Le Mans, que recebe o código 9R3, estavam nomes como Norman Singer e Wiet Huidekoper.

Norman Singer é sinônimo de sucesso da Porsche em competição. Engenheiro automobilístico, a sua carreira no departamento de competição da marca estende-se por quatro décadas. É ele quem está por trás de quase todos os carros vencedores da Porsche em Le Mans no século passado.

1999_Porsche_9r3_4 1999_Porsche_9r3_5 1999_Porsche_9r3_1

Wiet Huidekoper é um desenhista de automóveis de competição, de nacionalidade holandesa, que tem no currículo carros como a Lola T92/10 ou a Dallara-Chrysler LMP1. Este desenhista chamou a atenção de Singer, na apresentação em 1993 da conversão para rua do Porsche 962, a pedido da Dauer Racing. O Dauer 962, devidamente homologado para uso em rua e aproveitando brechas no novo regulamento GT, foi a pedido de Singer reconvertido para pista com a colaboração de Huidekoper, e saiu vitorioso em Le Mans em 1994.

A colaboração entre Singer e Huidekoper aumentou-se nos anos seguintes, participando no desenvolvimento do Porsche 911 GT1, que estreou em 1996. A cada evolução do 911 GT1, também as responsabilidades de Huidekoper aumentavam, culminando com o desenvolvimento do 911 GT1-98.

Dauer.
Dauer.

A escolha recaiu naturalmente em Huidekoper para o desenvolvimento do novo protótipo para Le Mans. A única exigência foi a manutenção do motor 3.2 de seis cilindros boxer do 911 GT1, o que gerou longas discussões internas após a conclusão do 9R3. O protótipo -de cockpit aberto- foi terminado em novembro de 1998. Huidekoper lembra: “Se olhar matasse, eu já não estaria aqui, depois que mencionei que o tradicional motor 6 cilindros boxer da Porsche era o ponto mais fraco de todo o projeto”.

Esse motor na verdade já não apresentava vantagens. Os regulamentos penalizavam mais os motores sobrealimentados. Os V8 aspirados de alguns concorrentes também eram mais leves –aproximadamente 160 kg contra os 230 kg do boxer- e poderiam ser usados como elementos estruturais do carro.

Porsche Carrera GT, enfim um bom uso para o V10.
Porsche Carrera GT, enfim um bom uso para o V10.

A concorrência –leia-se BMW, Toyota, Mercedes e Nissan- também evoluiu ao entrar no segundo ano de desenvolvimento de seus carros. A Porsche não podia aparecer em Le Mans com um carro que, na teoria, já perdia para os concorrentes. Poucos dias após esta discussão, o projeto 9R3 foi cancelado.

O motor secreto

Parecia o fim do 9R3, mas não era. Em março de 1999, Huidekoper foi chamado novamente à Porsche, e, para sua surpresa, foi apresentado ao motor 3.5V10, originalmente concebido para a Fórmula 1. Outro projeto mantido em segredo, que estava destinado a substituir o problemático V12 que a Porsche forneceu à Footwork Arrows em 1991.

O V12 foi um desastre tão grande, que a Footwork cancelou o contrato de fornecimento com a Porsche ainda durante a temporada, e regressou aos Ford Cosworth DFR V8 usados antes. A Porsche ficou assim com um novo V10 nas mãos, inacabado. Mas permitiu à equipe de engenharia e projetos completar o desenvolvimento do novo motor V10, como uma espécie de exercício prático. Não tendo onde usar o motor, a Porsche simplesmente esqueceu este V10 durante os sete anos seguintes.

9R3-02

Huidekoper gostou do que viu. O V10 era um motor compacto e leve, com potência estimada entre 700 e 800 cv, e com acionamento pneumático das válvulas. Um ponto de partida excelente para um novo LMP, ressuscitando o projeto 9R3. O protótipo já existente foi recuperado, alterado para receber o novo motor e evoluído em diversos aspectos.

PorscheLMP2000-5O motor foi, igualmente, alvo de alterações para melhor enfrentar as exigências das provas de resistência. A sua capacidade cúbica foi elevada para duas configurações possíveis, de 5,0 e 5,5 litros. Os regulamentos previam restritores na admissão, diminuindo o regime máximo de rotações possível, e por isso o sistema de acionamento pneumático das válvulas foi descartado. Era necessário garantir durabilidade e simplicidade na montagem e manutenção.

Já não dava mais tempo de correr em Le Mans naquele  ano, pois os trabalhos de adaptação do V10 ao 9R3 ficaram prontos em maio de 1999. Mesmo antes do protótipo estar concluído, novo golpe no projeto!

Definitivamente cancelado

O programa foi novamente cancelado. A administração da Porsche permitiu a conclusão do carro para Le Mans e até um curto teste de dois dias na pista da marca, em Weissach, com Bob Wollek e Allan McNish ao volante, que encontraram condições adversas de tempo e pouco andaram com o carro. Até hoje ninguém sabe qual era o verdadeiro potencial do 9R3, nem nunca se saberá.

download

O principal suspeito para o fim do projeto do 9R3? Acredite, foi o Prsche Cayenne. Wendelin Wiedekin, chefão da Porsche, e o todo-poderoso Ferdinand Piech, chefão da Volkwagen e Audi, partiram para o desenvolvimento conjunto para um SUV, que deu origem ao Cayenne e o Touareg. Mas para isso, foi necessário desviar recursos de outros programas em andamento. E o 9R3 foi um deles.

Segundo se comentou na época, o acordo entre os chefões também impedia a Porsche de participar nas categorias máximas dos campeonatos de resistência por um período de 10 anos. Muito estranho, já que o ano 2000 marcou o início do domínio quase absoluto da Audi em Le Mans e nos campeonatos de resistência. Ferdinand Piech conseguiu com isso evitar a concorrência interna, espécie de fogo-amigo.

A Porsche regressa à categoria máxima das provas de resistência apenas em 2014, com o 919 Hybrid. Venceu a “24 Horas de Le Mans” em 2015 e 2016. Se o 9R3 tinha capacidade para ser superior ao Audi R8 nunca saberemos, mas seria um duelo inesquecível.

Nem tudo foi tão ruim assim para a Porsche. O sucesso meteórico do polêmico Cayenne permitiu toda uma nova era de crescimento e prosperidade na Porsche. Possibilitou financiar o espetacular Carrera GT e, finalmente, encontrar um uso para o motor V10.

Acredita-se que o único protótipo existente do 9R3 permanece completo e guardado em algum armazém da Porsche. A marca pelo menos deixou de negar a sua existência, apesar de não existirem declarações oficiais sobre o mesmo.

Futuramente, talvez a Porsche tome a decisão de o exibir publicamente e tornar conhecida -de maneira oficial- mais um episódio da sua rica história.


Compartilhe!
1713873426