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Chevrolet Bel Air 1955: 70 anos de boas histórias (e nós temos um!)

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Segunda metade da década de 1980, dois jovens irmãos de São Paulo (SP) já nutriam uma inexplicável e antiga paixão por carros antigos. Eram tempos em que muitos modelos interessantes estavam numa espécie de limbo, ou porque eram grandes beberrões de gasolina ou por conta da escassez de peças de reposição. Época em que você se dava o luxo de torcer o nariz para um Camaro 1967 impecável, só porque era uma versão com motor de seis cilindros em linha ou desprezar um Impala 66 porque não gostou da cor, ou abrir mão de um Dodge Dart porque era quatro portas e você queria um cupê…

por Rubens Caruso Jr.

Independente dessas e outras situações e dificuldades, certos carros habitavam a imaginação desses irmãos, influenciados pelas histórias da família, cinema, séries de TV, revistas antigas ou importadas, ou pelo final de “American Graffiti”. Fruto desse saudável vício por carros, motores, gasolina e pura curiosidade, entre outros, veio o inevitável “curso de mecânica” e, anos mais tarde, a criação da revista AUTO&TÉCNICA, lançada há 30 anos, em maio de 1995.

Assim, em 1988 apareceu a oportunidade de colocarem na garagem um verdadeiro ícone da história automotiva mundial: um Chevrolet Bel Air 1955. Mas antes vamos falar de outra história.

A HISTÓRIA DO BEL AIR 55
O Chevrolet Bel Air 1955 integra a segunda geração da versão Bel Air, um marco importante na epopeia “sobre rodas” americana. Lançado em 1950, o Bel Air -como todas as versões ficaram genericamente conhecidas- rapidamente assumiu o posto de carro mais popular da marca Chevrolet.

Foi em 1955 que o modelo realmente causou impacto (bem como seus sucessores, em especial o de 1957), com um novo desenho que literalmente fez história, dando início ao fenômeno “Tri-Five Chevy” para a trinca 55/56/57 dos Bel Air.

Nada menos que US$ 300 milhões foram investidos na reformulação da linha para 1955; se hoje esse é um valor elevado, imagine há mais de 70 anos! Uma importância muito bem aplicada pelas hábeis mãos de dois personagens lendários da indústria automotiva mundial: o engenheiro Ed Cole e o desenhista Harley Earl.

Detalhes da linha de montagem em 1955

O Chevrolet 1955 (versões 150, 210 e Bel Air, a mais luxuosa) foi revolucionário por várias razões, e a principal delas era o seu desenho. A Chevrolet abandonou o estilo conservador anterior, adotando um visual mais atualizado e elegante, com linhas mais limpas e a aplicação bem equilibrada dos cromados que distinguiam o carro.

Outra inovação importante foi a introdução do motor V8 small-block denominado Turbo-Fire, com 265 pol3 (4.3 litros e opção de 162 ou 180 cv de potência, este com carburador de corpo quádruplo e escapamento duplo), que trazia desempenho, potência e confiabilidade ao novo carro. Este motor tornou-se um dos mais importantes da indústria, com mais de 100 milhões de unidades produzidas, e contribuiu muito para o sucesso do Bel Air 55.

Publicidade da época destacando o novo motor V8

Duas eram as possibilidades para a caixa de marchas: a automática Powerglide de duas velocidades ou uma transmissão manual Synchro-Mesh de três velocidades, com overdrive opcional. 

A célebre “Popular Mechanics Magazine” testou um Chevrolet Bel Air 1955 V8 com Powerglide, na edição de março daquele ano. Entre os números apontados, vale destacar: velocidade máxima de 162 km/h; aceleração de zero a 100 km/h em 12,9 segundos; consumo a 100 km/h na casa dos 6,8 km/litro. Números bons, considerando o motor, o câmbio e os cerca de 1.500 kg do carro. Para comparar, um Bel Air de 1954 com seis cilindros e Powerglide levava mais de 18 segundos para chegar aos mesmos 100 km/h.

Revista “Popular Mechanics” testou a novidade

O Chevrolet Bel Air 1955 é reconhecido, com razão, como um dos carros mais influentes da década de 1950: ajudou a redefinir o padrão dos carros americanos para os anos seguintes e tornou-se um símbolo da prosperidade e do estilo de vida americano pós-guerra. Também tem papel importante na cultura pop, figurando em inúmeros filmes, programas de TV e músicas.

Além dos pontos citados, o Bel Air 1955 oferecia outras novidades, como cores vibrantes, com dezenas de combinações “saia-e-blusa”; a também icônica grade do radiador, apelidada de “egg crate” (“caixa de ovos”, o que não faz muito sentido no Brasil), inspirada num modelo da Ferrari; interior com acabamento requintado, combinando materiais e cores ainda hoje surpreendentes pelo bom gosto; painel claramente inspirado nos Corvette, com o velocímetro e a moldura do relógio em formato de “V”. Os Bel Air com V8 podiam ser equipados com ar condicionado, uma nova opção para a Chevrolet na época, e eram identificados por dois emblemas em “V” abaixo das lanternas traseiras. Uma curiosidade: no painel há uma placa de alumínio horizontal, com exatas 987 “gravatinhas” da Chevrolet gravadas. Não acredita? Então vai lá contar…

Ar condicionado foi destaque no lançamento do modelo. Grade de Ferrari inspirou a frente do Bel Air

A Chevrolet apresentou o chassi como “50% mais rígido” para o Bel Air 55 em relação ao ano anterior, contando com a retirada de uma das travessas e adotando um arco maciço incorporado à carroceria, uma espécie de moldura superior do painel de fogo, inspirado nos “arcos romanos”, de acordo com a publicidade da época. Destacavam-se também as mudanças nas suspensões, como os feixes de molas traseiros montados por fora das longarinas; na dianteira, a “Glide Ride”, novo conceito que melhorou o mergulho da frente nas freadas mais fortes. Vale conferir essas e outras inovações nesse vídeo.

Vista inferior do Bel Air 55. Observe as molas traseiras, por fora das longarinas

Dados da época informavam que, das cerca de 4.500 peças que formavam um Chevrolet 1955, menos de 700 eram remanescentes do ano anterior, o que confirma a evolução que a GM aplicou no projeto.

As vendas do Chevrolet 1955, em suas diversas versões, foram um enorme sucesso, com quase 1,8 milhões de veículos —para comparar, se é que é possível, no mercado brasileiro em 2024  foram comercializados um total de 2,6 milhões de veículos… De acordo com o livro “American Cars of the 1950s”, os Chevrolet foram responsáveis ​​por 24% de todos os carros novos vendidos naquele ano nos Estados Unidos, em um mercado de mais de 7 milhões de veículos.

Quando o 55 foi lançado, em 28 de outubro de 1954, havia mais de 7.400 concessionárias Chevrolet nos Estados Unidos

Havia três versões: o básico 150 (“one-fifty”), o 210 (“two-ten”), de preço médio e o luxuoso Bel Air, totalizando 16 estilos de carroceria. O modelo mais popular dos Chevy 55, de acordo com a Classic Industries, foi o Bel Air de quatro portas, com 366.293 unidades vendidas, seguido de perto pelo 210 também de quatro portas (340.222 vendidos). O modelo mais raro de 1955 foi a nova wagon Nomad, de duas portas, com apenas 8.530 unidades naquele ano.

Nomad, o mais raro dos Chevrolet Bel Air de 1955

Falando de preços, uma wagon Chevrolet Bel Air Beauville quatro portas custava US$ 2.361; o Bel Air duas portas “hardtop” custava US$ 2.166; o conversível, que teve 41.292 unidades produzidas em 1955, custava US$ 2.305. Para ter uma ideia de valores aproximados, atualizados em dólares, basta multiplicá-los por 12 —o conversível custaria o equivalente a US$ 27.700, ou cerca de R$ 160 mil reais na cotação da data de fechamento dessa reportagem. Com esse valor o consumidor americano coloca na garagem, hoje, um Chevrolet Malibu LT. Essas informações servem apenas como um referencial simplório, pois muitas outras variáveis interferem no valor dos carros, ainda mais em sete décadas.

O BEL AIR DE AUTO&TÉCNICA

De qualquer ângulo, o Bel Air 55 chama atenção

Voltamos a 1988. Éramos verdadeiros “caçadores de relíquias”! Não que comprássemos tudo o que aparecia pela frente, pois a grana, como sempre, era curta (algo que perdura até hoje…). Gostávamos de antiguidades, que naquele tempo quase sempre eram apenas “velharias”, mas estávamos sempre aproveitando as oportunidades de visitar oficinas, coleções e os raros eventos de carros antigos. Quando ainda nem existia o termo “antigomobilismo”, já estávamos nesse meio.

Um dos locais que frequentávamos era uma oficina no bairro da Casa Verde, capital paulista, do amigo Ulysses Kaloupis, que não apenas comercializava carros antigos como tinha reconhecida especialidade na restauração dos “Tri-Five Chevy”. Foi numa  dessas visitas que apareceu o Bel Air 55 vermelho e branco que viria a fazer parte do (futuro) acervo da revista AUTO&TÉCNICA. Interessante lembrar que o carro tinha apenas 33 anos, algo como comprar hoje um carro qualquer de 1992.

Primeiro contato com o Bel Air 55, na oficina do Ulysses Kaloupis, autor da foto

Era praticamente um “street rod”, com toda a mecânica de Opala seis cilindros, incluindo a transmissão de quatro marchas com alavanca no assoalho, freios (dianteiros a disco), direção e outros detalhes, resultado de uma transformação bem feita anos antes, considerando as dificuldades citadas anteriormente, que levaram por exemplo à troca do motor V8 original pelo nacional de menor cilindrada —talvez tenha fundido e, como não havia facilidade de acesso a peças para reconstrução, melhor ter sido salvo assim.

Em eventos, nos anos 1990: com rodas de Puma GTB e, à direita, o 55 com seu antigo proprietário Rodrigo Maluhy e o editor de A&T Ricardo Caruso, em Interlagos

Era um carro de uso no dia a dia, nas ruas do Rio de Janeiro. Por fora, a pintura caprichada, apesar de nunca ter constado no catálogo do modelo a combinação vermelho e branco para os Bel Air quatro portas (veja CURIOSIDADES, mais abaixo), já com algumas pequenas marcas da idade, que hoje atendem pelo eufemístico “pátina”; cromados ok, rodas de Opala alargadas. No interior, carpete e bancos, basicamente dois “sofás” de três lugares cada na cor preta, também em bom estado. Não demorou muito e o 55 estava em nossa garagem, para alegria do Rodrigo Maluhy, então proprietário, que mais tarde se tornaria um amigo muito querido, praticamente membro da família e colaborador permanente de AUTO&TÉCNICA.

Interior do Bel Air recebeu tapeçaria em preto e ar condicionado; mecânica é de Opala seis cilindros

O Bel Air de AUTO&TÉCNICA não é exatamente o mais desejado pelos “especialistas” nem a perfeição que exigem os “Zé Frisinhos”, pelo fato de ser quatro portas e não ter a mecânica ou a pintura (verde, denominada “neptune green”) originais. Não importa: desde sempre aprendemos que carro antigo é para o prazer pessoal e o que os outros pensam, ah, isso é problema deles! Somos apaixonados por ele, e dezenas de outros passaram pela nossa garagem, mas ele ficou.

No catálogo de lançamento, a exata combinação original do Bel Air de AUTO&TÉCNICA: pintura “neptune green” integral e interior em tons de verde

O Chevy 55 de A&T é um bom carro antigo, confiável, divertido e que ainda hoje chama muita atenção. E nunca nos deixou na mão, mesmo usado diariamente por um bom tempo em São Paulo. Ao longo dos anos ganhou algumas melhorias, como os vidros “ray-ban” (herdados do famoso “Bel Air 55 do Sumaré”, um carro que ninguém conseguia comprar mas que acabou também em nossa garagem, na época), frisos das portas e para-lamas dianteiros, um novo carburador, novas rodas e as calotas originais dos 55. Tem o precioso ar condicionado (também herdado do Opala) e um rádio “toca-pen-drive” oculto no porta-luvas, que só sabe reproduzir apropriados rocks dos anos 50 e surf music, de Elvis a Beach Boys, sempre boa música!

Vidros “ray-ban” são um diferencial desse Bel Air 55

QUASE QUATRO DÉCADAS DEPOIS

O Chevrolet Bel Air 1955 não é apenas um carro, é um ícone da indústria automotiva americana e da cultura pop. Sua história, importância e curiosidades continuam a fascinar entusiastas e colecionadores até hoje.

Com seu desenho inovador, motor potente e presença marcante, o Bel Air 1955 permanece como um símbolo de uma era de prosperidade e inovação. Este modelo representa uma peça fundamental do legado da Chevrolet e da história mundial sobre rodas.

Desenho do Bel Air 55 causou impacto, com cores vibrantes e equilíbrio na aplicação de cromados. Avião no capô é alusão à “Era do Jato”, inspirado no Vought F7U Cutlass

Interessante pensar em como um produto projetado e construído para gerar lucro torna-se um sucesso atemporal, mesmo tendo sido comercializado por apenas um ano. No fim, vale a máxima de que o cliente é soberano, e foi o mercado que imortalizou os Chevrolet Bel Air de 1955.

Para os dois irmãos, hoje legítimos representantes de uma “geração grisalha”, o Bel Air 55 é praticamente um membro da família, tendo servido como transporte de noivas em casamentos, bebês em batismos e até para buscar alguns membros da família na maternidade, repetindo o que seu pai fez, não por ser antigomobilista, mas pela circunstância de ter um carro da época que também se tornaria clássico.

CURIOSIDADES

BEL AIR, O BAIRRO
Bel Air é um antigo e sofisticado bairro situado a cerca de 19 km a oeste do centro de Los Angeles, Califórnia.
Foi fundado em 1923 por  Alphonzo E. Bell, Sr.; nas mansões do bairro moram ou moraram muitas celebridades, como Jennifer Aniston, Mariah Carey, Zsa Zsa Gabor, Ronald Reagan, Alfred Hitchcock ou Lady Gaga.

OS MINI BEL AIR
Durante a fase de desenvolvimento do Bel Air 1955, a Chevrolet fez alguns modelos de argila, em escala, para análises tridimensionais do desenho do carro.
A partir disso foram construídas quatro réplicas, usadas para exposição em concessionárias da marca, para alegria das crianças e seus pais, devidamente equipados com câmeras fotográficas, ou mesmo em eventos de gala da empresa.

Um modelo sobrevivente dessa série foi localizado e adquirido há alguns anos por Marty Martino, proprietário da Martino Productions, conhecido por seu trabalho na restauração de vários veículos conceituais da GM dos anos 1950. Martino optou por não restaurar o mini Bel Air, apenas reproduzir as peças que faltavam e reparar alguns estragos.

ESCALA
Existem centenas de opções no mercado para quem quer colecionar miniaturas do Bel Air 1955, nas mais diversas escalas e materiais, sejam réplicas prontas ou para montar, como a de papel, abaixo: é só imprimir, recortar e colar!

PLANILHA DE COMBINAÇÃO DE CORES
Sem dúvida alguma a belíssima combinação vermelho e branco na pintura do Bel Air 55 é uma das preferidas em todo o mundo. Mas na configuração original não era disponível para todas as versões de carroceria, como se observa nesse documento da época: “2402” é o código para Bel Air sedã duas portas (ou seja, “com coluna”) e 2403 é o Bel Air sedã quatro portas.

OS DIFERENTES

Alguns interessantes estudos de estilo para o Bel Air 1955 não passaram da fase de desenhos ou mockups
Um carro “mula” para testes, com a carroceira do 55 e frente do modelo de 1953
Um Chevrolet Bel Air 1955 conversível foi o pace-car da “500 Milhas de Indianapolis” daquele ano
Os Chevy 55 foram exportados para Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, com comandos à direita

NAS TELAS
Os Chevy 55 tiveram participações marcantes no cinema e na TV, como “Two Lane Black Top”, estrelado pelos músicos Dennis Wilson (baterista dos Beach Boys) e James Taylor; na série “ChiPs”, tendo ao volante o ator Erik Estrada no papel do policial Frank Poncherello; em “American Grafitti”, com Harrison Ford.

Enfim, o Chevrolet 1955, o “Bel Air” também chamado antigamente de Chevrolet “Pelé”) é um carro que chegou aos 70 anos fazendo parte da história do automóvel. No nosso caso, são décadas de pura diversão e não cansamos nunca de admirar suas linhas e suas virtudes. O uso da mecânica Chevrolet mais nova, extraída de algum Opala, facilita muito as coisas. É um carro que usamos, caso contrário bastaria uma foto dele num porta-retratos.

Um dia, por algum motivo, vamos nos separar dele, ou ele de nós, mas com certeza ficarão memórias e lembranças que tempo nenhum vai apagar.


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