Cadillac Allanté, o ítalo-americano que não deu certo
Imagine um carro de fabricação complicada. Nenhum supera o Cadillac Allanté, vendido pela General Motors entre 1987 e 1993. E por qual razão era um “carro complicado”? Vamos explicar. O nome-código do projeto desse modelo era Callisto, e a proposta sedutora: um modelo esportivo e de alto luxo, para concorrer com Mercedes-Benz SL e Jaguar XJS. A Cadillac, divisão de carros de luxo da GM, precisava urgente de um carro especial, para recuperar o prestígio que teve nos anos 1950 e 1960. O toque final de classe seria uma carroceria italiana, com a assinatura de Sergio Pininfarina. E foi assim que, em 1983, a GM deu início ao projeto do Cadillac Allanté.
O envolvimento com o estúdio italiano tinha sua razão de ser. Os Cadillac vinham perdendo mercado e deixando de ser referência nas lembranças dos americanos. BMW, Mercedes-Benz e Jaguar substituíam os Cadillac nos sonhos de consumo, e a divisão de luxo da GM amargava declínio. Chegou até a ter um Monza com sua marca (o Cadillac Cimarron, feito entre 1982 e 1988) Em setembro de 1986 o primeiro e único Cadillac de dupla nacionalidade, ítalo-americano, estava pronto para ser lançado. Mecânica e plataforma americana numa carroceria italiana. Mais ou menos o que a De Tomaso havia feito com o Pantera, mas em maior volume.
O nome Allanté, apesar de parecer ser uma palavra francesa, na verdade não tem nenhum significado, e foi uma das quase 1.800 palavras sugeridas por computador para dar nome ao conversível, da mesma forma que Callisto não significava nada. Como deveria ser, o Allanté era um carro era muito caro, o mais caro dos americanos da época: US$ 54.700. Na verdade, era uma pechincha se comparado com a Mercedes SL (US$ 90 mil) e Jaguar XJS (US$ 72 mil).
SOFISTICADO
O Allanté tinha desenho simples e elegante, com linhas retas e limpas. Esse desenho inspirou depois os Seville de 1992, em especial pelo desenho do teto e lanternas traseiras. No Allanté, o emblema traseiro era na verdade a terceira luz de freios, e as lanternas traseiras tinham parte da lente translúcida, um toque característico do modelo.
Exclusivo em tudo, suas vendas eram reduzidas, servindo mais como imagem da marca, para atrair outros nichos de compradores. No primeiro ano vendeu 3.363 unidades. A primeira geração do Allanté, feita em 1987 e 1988, tinha tração dianteira e caixa de câmbio automática de quatro marchas. Usava plataforma encurtada do cupê Eldorado e seu motor era o 4.1V8 de linha, levemente modificado, com 170 cv de potência máxima e torque máximo de 32 mkgf a 3.200 rpm.
Vinha equipado com dois tipos de teto, de lona e rígido, que não eram perfeitamente
vedados e gotejavam nos ocupantes nas lavagens ou quando chovia. A Pininfarina já havia avisado a Cadillac que seria necessário mais um ano de desenvolvimento para produzir um teto de qualidade, mas a empresa não tinha esse tempo todo para esperar. A substituição das borrachas de vedação resolveu a questão.
NO AVIÃO
Então o Allanté era problemático só por isso? Não. Apesar dessas pequenas falhas de projeto, o Allanté era um carro muito complicado e caro de produzir. A Cadillac precisava atravessar duas vezes o Atlântico, usado três Boeing 747 da Alitalia e Lufthansa fretados, que foram adaptados a esse trabalho. Em cada avião cabiam 56 carros. Logo o sistema foi batizado de “Ponte-Aérea Allanté”, ou seja, era a mais longa linha de produção do mundo, pois cada travessia cobria 7.400 km de distância entre os Estados Unidos e Itália. Um processo caprichado, mas caro e complexo. Como era um carro para melhorar a imagem da Cadillac, tudo bem para a GM.
Na ida de Detroit para Turim, onde ficava a Pininfarina, eram transportadas duas metades da plataforma do Eldorado componentes como coluna de direção, ar-condicionado e peças eletrônicas. Na Itália as duas metades do chassi eram cortadas e soldadas, e então recebiam a carroceria (feita lá na Pininfarina), pintura e o interior. O carro voltava para a fábrica de Hamtramck, em Michigan, nos Estados Unidos, onde eram montados os sub-chassis dianteiro e traseiro, suspensões, transmissão, caixa de direção, freios ABS Bosch III, tanque de gasolina, rodas e pneus. Tinha tudo para dar errado, mas até que o sistema funcionou bem. Antes de serem entregues nas concessionárias, os Allanté rodavam 40 quilômetros em teste, guiados por duas equipes de técnicos, que literalmente assinavam o carro finalizado, como fazia a Rolls-Royce.
Para 1989, a GM passou a usar o motor 4.5V8 de 200 cv, com 37 mkgf de torque a 3.200 rpm. A velocidade máxima melhorou, e foi de 200 para 216 km/h. O carro recebeu novos bancos e sistema de alarme e, em 1990, acionamento elétrico da capota. Mas custando caro, difícil de encontrar e com alguns pecados na sua fabricação, não estava cumprindo o papel que a GM esperava dele para ajudar a reerguer a Cadillac, e assim logo criou má fama no mercado americano. Em 1992 foi o “carro-madrinha” da “500 Milhas de Indianapolis”, insuficiente para aquecer as vendas; 1992 foi seu pior ano, com 1.931 unidades comercializadas.
NORTHSTAR
A última –e melhor- tentativa de tentar salvar o conversível veio em 1993. A principal novidade foi a adoção do então atualíssimo motor Northstar 4.6V8, com duplo comando de válvulas no cabeçote e 32 válvulas. Isso transformou o carro, com 290 cv e torque de 40 mkgf a 4.400 rpm, que o levava aos 232 km/h. Estava, enfim, pronto para enfrentar os concorrentes europeus. Tinha ainda um novo sistema eletrônico de amortecimento, evolução do que havia sido introduzido em 1989; o spoiler dianteiro aumentou de tamanho e deixou de lado os falsos quebra-ventos.
Mas nada deu certo na curta vida do Allanté. Ao mesmo tempo em vinha sofrendo constantes reformulações, a Mercedes SL já tinha desde 1989 uma nova geração. Passou muito tempo até que o Allanté ficasse no mesmo nível dos concorrentes, e como o mercado é cruel, não espera muito para fazer suas escolhas.
Mesmo com o maior número de produção de sua trajetória -4.670 unidades- as concessionárias vendiam o carro abaixo da tabela. Com US$ 24,2 bilhões de prejuízos divulgados em 1992, a GM não podia investir os US$ 240 milhões necessários para reformar a linha de montagem da Pininfarina para criar uma nova geração do carro. E assim, ainda no primeiro semestre de 1993, a sentença de morte do Allanté foi assinada.
Embora o Allanté não seja o melhor exemplo de engenharia e posicionamento de produto da Cadillac, ele fica na história pelo ineditismo e por ser diferente de tudo o que a marca havia feito até então. Era um carro de dupla nacionalidade, um dos mais bonitos modelos já produzidos pela Cadillac em todos os tempos.
A idéia era tão boa quanto impraticável. A própria Chrysler tentou seguir esse caminho (EUA-Itália) entre 1989 e 1991, com o Chrysler TC Maserati. Para quem gosta, mecânica americana numa carroceria italiana é uma receita tentadora.
Esse carro foi na verdade um marco na história da Cadillac. De lá para cá a marca buscou outros caminhos, se rejuvenesceu e hoje produz alguns dos melhores carros encontrados no mercado mundial.