Carlos Ghosn ataca a Nissan e afirma: “Justiça japonesa é corrupta e hostil”
O ex-chefão da Renault e da aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, o brasileiro Carlos Ghosn, afirmou em entrevista coletiva que não vai revelar qual foi o seu plano de fuga do Japão para o Libano, e comparou a conspiração da qual foi vítima ao ataque japonês à base de Pearl Harbor na II Guerrra Mundial; tal como os Estados Unidos, Ghosn não previu o que iria acontecer.
“Não vou revelar o meu plano de fuga”, declarou o mais importante executivo da da era moderna da indústria automotiva, durante uma coletiva de imprensa em Beirute, Líbano, onde se encontra protegido da justiça japonesa. Esta é a primeira vez que o ex-empresário fala em público desde a sua detenção em 2018.
Embora não tenha revelado detalhes da sua fuga, Ghosn afirmou que foi “a decisão mais difícil” que teve de tomar na vida, mas que era a única saída para poder provar a sua inocência , reiterando que as acusações contra si são “falsas” e que é vítima de conspiração desde o declínio da Nissan em 2017. “Não estou acima da lei, mas não me deixaram outra opção”.
Mais à frente, o brasileiro considerou que a justiça japonesa é “corrupta e hostil”, e justificou: existia inveja dos japoneses em relação à marca francesa e, numa tentativa para que a Renault reduzisse a sua influência na Nissan, afastaram Ghosn. “A conspiração entre a Nissan e os procuradores está em todo o lado, só o povo japonês é que não quer ver”, insistiu.
Ghosn, de 65 anos, ia ser julgado este ano, estando acusado dos crimes de desvio de dinheiro, fraude fiscal e gestão danosa, mas fugiu para o Líbano para livrar-se da “injustiça e perseguição política” de que diz ser vítima. De acordo com a imprensa japonesa, Ghosn embarcou, no dia 29 de dezembro, um caminhão entre Tóquio e Osaka, de onde embarcou num avião particular com destino a Istambul, Turquia. No dia seguinte, rumou a Beirute, no Líbano, em outro avião.
As autoridades libanesas garantem que o empresário entrou legalmente no Líbano -ele tem cidadania e passaporte libanês- e lembram que não há acordo de extradição com o Japão. Porém, o Líbano recebeu na passada quinta-feira um aviso da Interpol (solicitações às agências policiais em todo o mundo para que localizem e detenham provisoriamente um fugitivo procurado), relativo a Ghosn. Assim, o empresário deverá ser chamado na próxima semana ao Ministério Público, explicou uma fonte judicial à France-Presse.
O outrora todo poderroso do setor automotivo foi preso pela primeira vez em novembro de 2018 por acusações não bem explicadas de desvio de dinheiro, fraude fiscal e gestão danosa. De acordo com a acusação, Ghosn não terá declarado cerca de US$ 82 milhões em salários e teria transferido perdas financeiras pessoais para a Nissan.
Foi libertado em 6 de março do ano passado, após pagar uma fiança. No entanto, no mês seguinte, foi novamente preso. Ainda em abril, voltou a sair da prisão mediante o pagamento de nova fiança (de US$ 8 milhões), ficando em prisão domiciliar, impedido de sair do Japão e de contatar a mulher, Carole Ghosn.
O brasileiro alega que foi derrubado por uma conspiração preparada dentro da Nissan, tendo citado os nomes de alguns executivos da marca. “Eu estava pronto para me aposentar antes de junho de 2018. Lamentavelmente, aceitei a oferta para continuar o processo de integração das duas empresas, Renault e Nissan. Foi tudo planejado e alguns ‘amigos’ japoneses pensaram que a única maneira de se livrar da influência da Renault na Nissan era se livrando de mim”.
Mas, quem faz parte deste conluio contra Carlos Ghosn? Ele explica: “Quem fez parte de tudo? Obviamente, o Hiroto Saikawa fazia parte do esquema. Mas há mais: Hari Nada e Toshiaki Onuma, pois eles mostraram isso. Mas há muitas outras pessoas implicadas, como por exemplo um dos membros do conselho, Masakazu Toyoda, que era o elo entre o conselho da Nissan e as autoridades japonesas”.
“Estou aqui para limpar o meu nome, todas as alegações são falsas e eu nunca deveria ter sido preso. Acreditem, senti-me como um refém num país que servi durante 17 anos! Ao longo de 17 anos, fui visto como um modelo no Japão”.
Falando durante uma hora e respondendo perguntas por mais uma hora e meia, Carlos Ghosn lembrou que estava trabalhando na integração da Renault com a Nissan, mas com respeito pela autonomia de ambas as marcas. Também estava trabalhando na negociação da fusão com a Fiat Chrysler Automobiles (FCA). O brasileiro entende que “a minha inimaginável provação é o resultado da ação de um punhado de indivíduos sem escrúpulos e vingativos. Todas as acusações são vazias e não têm base”.
Ao final de sua apresentação, Ghosn voltou a dizer que os “executivos da Nissan conspiraram contra mim” alegando que uma das motivações para essa situação era o desempenho em queda irreversível da Nissan a partir de 2017. Por que? “Em outubro de 2016 decidi retirar-me da Nissan, porque assinei um acordo com a Mitsubishi, mudando-me para o conselho de administração da Mitsubishi.” Ou seja, Carlos Ghosn não tinha nenhum cargo na Nissan no final de 2016, deixando implícito que os problemas da Nissan começaram depois da sua saída e que esta conspiração serviu para abafar esses problemas.
Ghosn voltou a falar sobre a sua prisão no aeroporto de Tóquio, lembrando que “fui interrogado por oito horas sem a presença de um advogado, e o promotor do ministério público disse, repetidas vezes, que ‘as coisas vão piorar para você se não confessar os crimes’”, uma acusação grave que vem trazer ainda mais dúvidas existentes sobre o sistema judicial japonês. Orgulhoso de ter índice de condenação próximo dos 100%, as autoridades nipônicas acabam atropelando os direitos dos acusados, permitindo a produção de provas sem mandato judicial e recorrendo a qualquer estratagema possível. Isso bem se repetindo sistematicamente por lá.
Por hora, Carlos Ghosn continua viver na capital do Líbano, Beirute, na mansão cor de rosa comprada, alegadamente, pela Nissan como forma de benefício, respaldado pela falta de acordo de extradição para o Japão, tendo as autoridades do Líbano já anunciado que não têm intenção de o devolver ao Japão. Foi por isso que o brasileiro com cidadania libanesa e francesa, se sentiu à vontade para contar a sua parte da história.
Confira alguns dos destaques da coletiva de imprensa de Carlos Ghosn:
“Todas as acusações contra mim são infundadas”.
“Por qual razão estenderam a investigação, voltando a me prender? Por que estavam todos empenhados em me manter em silêncio e não expor o meu lado da história? Por que tentaram durante longos 14 meses arrasar comigo ao privarem-me de falar com a minha esposa”?
“Um dos motivos desta conspiração reside nos resultados em queda da Nissan a partir de 2017, onde eu já não estava desde outubro de 2016, pois tinha assinado um contrato com a Mitsubishi e tornei-me presidente do conselho”.
“Quem ganha com tudo isso”?
“Em 2017, a Aliança poderia ter chegado à liderança do mercado mundial, pois eram três empresas em crescimento, lucrativas e estávamos preparando a fusão com a FCA, negociando com John Elkann”!
“Já não há Aliança, pois a FCA foi perdida (para a PSA Peugeot Citroën) e a oportunidade de ser o maior grupo mundial desapareceu”.
“Viraram a página errada, pois não há lucro, não há crescimento, não existe iniciativa estratégica, já não existe tecnologia, enfim, não há mais Aliança. O que existe hoje é uma simulação de uma Aliança”.
“Deixei o Japão porque queria justiça, sendo esta a única possibilidade de restabelecer a minha reputação. Se não conseguir no Japão, terei que buscar em outro lugar”!
“Não estou aqui para explicar como sai do Japão. Estou aqui para falar sobre o por que de ter saído. Estou aqui para lançar luz sobre um sistema que viola os princípios mais básicos, os direitos humanos. Estou aqui para limpar o meu nome. Estas alegações são falsas e nunca deveria ter sido preso”.
“O Greg Kelly (ex-diretor da Nissan) é um homem honrado e continua sendo vítima do sistema judicial japonês, sendo mantido refém”.
“Fui julgado publicamente e presumido culpado de tudo para o mundo”!
“Esta fuga foi a decisão mais complicada da minha vida, mas estava enfrentando um sistema cuja taxa de condenação é de 99,4%, valor que é maior para os estrangeiros”.
“A perda de valor na Bolsa da Nissan desde a minha prisão atingiu cifra superior a US$ 11 bilhões. Perderam mais de US$ 40 milhões por dia. Já a Renault perdeu valor desde que estou preso em cerca de US$ 6 bilhões”.
“Isso faz parte do assassinato de personagem (as casas de Ghosn) e a imprensa engoliu a isca”.
“Pensava que o responsável pelo tribunal era o juiz, mas não, foi o promotor quem comandou em tudo, fazendo o que queria”.
“Estive no Japão 17 anos, e nesse tempo, fui um exemplo para os japoneses, mas de repente, caracterizaram-me como frio, ganancioso e ditador”.
“Eu adoro o Japão, gosto do povo do Japão. Por que o país está me retribuindo com o mal? Não entendo”!
“Cometi um erro: não deveria ter ficado mais tempo na Nissan”.