Conceito: os Dodge Firearrow 1953-1954, que poderiam ter sido os mais bonitos Chrysler da história

Na década de 1940, a divisão Dodge da Chrysler Corporation tinha a reputação de construir carros sólidos, confiáveis e de estilo conservador. Isso era bom, mas a Chrysler queria adicionar um pouco de glamour e emoção aos seus carros.

Naqueles tempos, o público americano estava seduzido pela nova tecnologia da era dos jatos, que se desenvolveu após a Segunda Guerra, e as empresas de automóveis estavam ansiosas para capitalizar não apenas esta novidade, mas a estética do desenho que poderia capturar a imaginação de potenciais compradores de carros. Essa tendência evoluiria ao longo da década seguinte, atingindo novos picos no final dos anos 1950.
Outro fator que influenciou as montadoras no início do período pós-guerra foi o estilo europeu. Milhares de militares americanos, servindo na Europa durante e depois da guerra, viram alguns dos desenhos de carros elegantes e estilosos que se originaram na Inglaterra, Alemanha, França e, especialmente, na Itália. Querendo levar um pouco desse glamour para a América, os fabricantes e desenhistas americanos começaram a trabalhar com alguns dos construtores de carrocerias italianos, todos ansiosos por bons e novos negócios após os efeitos devastadores da guerra na economia europeia.

Em 1950, o fabricante de carrocerias italiano Ghia, sob a direção de Felice Mario Boano, fez com que o desenhista Gigi Serge criasse um carro de exposição Plymouth, único, para o presidente da Chrysler, KT Keller. O carro trazia um desenhoign semi-fastback de quatro portas chamado XX-500. Keller gostou do que viu e começou a contratar o fabricante de carrocerias italiano para a construição uma série de carros-conceito de estilo arrojado, começando com a marca Chrysler, depois Plymouth e Dodge.

O momento da colaboração ítalo-americana não poderia ter sido melhor. Logo após a apresentação do XX-500, Keller contratou o lendário Virgil Exner, cujos desenhos inovadores e impactantes mudariam o cenário do estilo automotivo nos anos 1950. Exner aproveitou ao máximo dos talentosos artistas e artesões da Ghia para dar vida às suas ideias. Outro fator marcante foi a introdução pela Chrysler do motor Hemi V-8 “FirePower” 331V8, em 1951, usado na linha Chrysler. Um ano depois, a DeSoto receberia um Hemi 276V8. A Dodge ganhou sua própria versão do motor Hemi para 1953, o “Red Ram” 241V8.
Equipado com um moderno e potente V8 e um novo e talentoso desenhista, mais os construtores de carrocerias italianos prontos para trabalhar, o cenário estava pronto para que a Dodge finalmente tivesse algo empolgante para mostrar ao público e começasse a mudar a maneira como as pessoas pensavam sobre a marca.

Em 1953, a Dodge estreou o primeiro de uma série de carros-conceito no Salão de Turim. O roadster criado pela Ghia foi batizado de Firearrow e tinha um visual baixo e largo; na verdade, a largura era mais do que o dobro da altura da carroceria medido no capô. A elegante carroceria vermelha metálica era realçada com uma ousada peça de acabamento cinza metálico horizontal, que separava a frente do carro, dividindo a abertura da grade, envolvendo os para-lamas dianteiros e continuando por todo o comprimento da carroceria.
Os faróis quádruplos estavam localizados abaixo desse acabamento e havia tubos de escapamento duplos, empilhados e cromados saindo na traseira. O Firearrow também apresentava para-brisa curvo, de uma peça só e baixo, sem moldura. Calotas lisas e cromadas completavam o exterior. O interior era revestido em couro amarelo-amarelado com debruns marrom e alavanca de câmbio no assoalho. Na verdade a alavanca não estava conectada a nada, já que o Firearrow não tinha motor ou transmissão e era usado apenas como um carro de exibição, estático.
O desenho às vezes é creditado a Exner, no entanto, de acordo com Paul Farago, chefe de engenharia da Dual-Ghia, ele foi baseado em um modelo criado pelo filho de um marceneiro da Ghia. Alegadamente, Exner deu alguma orientação sobre seu desenvolvimento, mas nunca reivindicou o crédito por isso. A reação do público e imprensa especializada ao Firearrow foi positiva, abrindo caminho para o desenvolvimento do Firearrow ll.

A Chrysler e a Ghia queriam explorar a possibilidade de produzir um carro esportivo de linha, como o enyão recém-lançado Chevrolet Corvette 1953, e então foi decidido que o Firearrow ll deveria ser um carro funcional. Para isso, o novo Hemi V8 “Red Ram” da Dodge acoplado a uma transmissão “Gyro-Torque” foi instalado. O mesmo formato de carroceria baixa foi transportado do Firearrow I para o II, assim como o para-brisa sem moldura e os tubos de escapamento duplos nos finais laterais da carroceria.

Os faróis passaram de unidades quádruplas montadas baixas para faróis simples montados na linha de cintura em alojamentos na carroceria, na borda externa do carro. Novamente, a grade oval remodelada foi separada horizontalmente por uma moldura pintada de preto, mas desta vez acentuada por cinco “dentes” cromados verticais, que lembravam o Plymouth de produção de 1953. Havia um par de tampas de porta-malas na traseira, que eram ativadas acionando-se alavancas no interior do carro: uma para armazenamento de bagagem e outra que acomodava estepe e bocal de abastecimento de combustível.

Semelhante ao primeiro Firearrow, um largo friso lateral percorria o comprimento do carro. A carroceria tinha acabamento elegante em amarelo claro com o friso lateral pintada de preto; o conjunto de rodas era raiado e cromado, calçado com pneus largos “faixa branca”. Não foram usadas maçanetas, vidros de porta ou espelhos retrovisores. O interior era revestido em couro preto.


O painel abrigava um conjunto completo de instrumentos, incluindo conta-giros, e o seletor de marchas era montado na coluna. Um belo volante Nardi de alumínio de três raios com aro de madeira chamava atenção. O fato do Firearrow II ser um carro que funcionava e podia ser dirigido o deixava um passo mais perto de se tornar um carro de produção, no entanto, a ausência de capota conversível, moldura do para-brisa, vidros das portas e maçanetas o manteve de forma sólida na categoria de “carro-conceito”, pelo menos naquele momento. O próximo Firearrow, o III, teria que ter o estilo chocante, mas também ser um carro de rua totalmente utilizável.











O Firearrow lll foi o primeiro e único cupê da série. O estilo foi reformulado e a parte frontal era típica Ghia com uma grande abertura de grade oval, equipada com frisos verticais côncavos cromadas. Um conjunto de luzes quádruplas na dianteira retornou, desta vez na forma de dois faróis montados internamente e dois piscas menores externamente. Discretos para-choques duplos foram montados nos dois lados, bem baixos.
O mesmo tipo de friso lateral pintado usado nos Firearrow anteriores foi mantido, assim como os escapamentos brotando dos painéis laterais traseiros. O desenho do teto era elegante, e o para-brisa foi relatado como a maior peça de vidro usada em qualquer automóvel na época. O carro foi pintado de azul metálico, incluindo o friso lateral. O interior era espaçoso, especialmente para um carro com menos de um metro e meio de altura, com detalhes que incluíam suntuosos bancos de couro branco e azul, carpete grosso, aquecedor e rádio totalmente funcionais, além de um então necessário cinzeiro.

Assim como o Firearrow ll, o cupê Firearrow III foi construído no chassi de produção regular do Dodge Royal. O powertrain incluia o motor Hemi V8 “Red-Ram” fornecendo boa potência. A suspensão também foi herdada direto dos modelos de produção, assim como a transmissão Torque-Flite totalmente automática recentemente lançada. A Chrysler conduziu uma série de testes sobre como otimizar a distribuição de peso, resultando em dirigibilidade muito superior aos carros de produção que usavam o mesmo chassi.


Depois de ser concluído pela Ghia, o cupê de aparência rápida foi selecionado para ser a peça central da inauguração do novo campo de provas Chelsea, da Chrysler, em junho de 1954. Naquele ano, Betty Skelton foi o assunto da cidade enquanto pilotava uma variedade de produtos Chrysler para vários recordes, antes de ser convidada a participar deste evento especial. No início dos anos 1950, Betty alcançou o status de celebridade no mundo da aviação. Embora seu forte fosse os aviões, tendo voado solo aos 12 anos de idade, ela foi considerada uma das melhores pilotos acrobáticas do mundo aos 20 anos. Como parte da promoção do novo campo de provas, a Chrysler convidou a jovem aviadora para acelerar o Firearrow III no novo oval inclinado da pista. Elegante, usando vestida e saltos altos, Betty estabeleceu o novo recorde mundial para uma mulher em percurso fechado de 143,44 mph (230,14 km/h)! Após as demostrações de velocidade de Betty Skelton, o Firearrow III foi colocado no circuito de exibição por diversos Salões de Automóvel..

O quarto e último Firearrow foi um conversível, concluído em 1954, e era basicamente uma versão conversível do cupê. O Firearrow IV teve a grade revisada, que apresentava um desenho que lembrava as “caixa de ovos”, mais comumente associado aos Chrysler Ghia.

Além disso, as entradas de ar nos para-lamas dianteiros do cupê Firearrow foram eliminadas. O esquema de cores do Firearrow IV era vermelho brilhante, com o friso lateral pintado de prata. A característica mais marcante era o interior, estofado em preto e branco, com costuras padrão “diamante”. Havia um banco traseiro, e era anunciado como um carro de quatro passageiros, mas apenas uma criança poderia realmente sentar lá atrás.

O assento traseiro era removível, revelando um bagageiro com acabamento em madeira. O teto foi projetado para ser à prova d’água e janelas removíveis estavam disponíveis. Novamente, o Firearrow IV tinha um volante Nardi, mas com um relógio “Dodgematic” de 16 rubis, feito na Suíça, no centro. O cupê Firearrow III e o Firearrow IV eram carros muito interessantes, que poderiam ter sido colocados em produção, mas os chefões da Chrysler na última hora pensaram diferente e não deram o OK para o carro entrar em produção.



E onde eles estão agora?

O Firearrow I nunca teve um sistema de transmissão e motor, e se perdeu na história, mas felizmente todos os outros três Firearrow existem, foram restaurados e estão em excelentes condições. Ao contrário da General Motors, a Chrysler preferiu vender muitos de seus carros de exibição, e não ordenar que fossem destruídos.

Após completar sua temporada de exposições, o Firearrow ll foi vendido para o Havaí, possivelmente para um dos membros da família Hearst. Permaneceu na ilha por cerca de 20 anos antes de um colecionador da Califórnia adquiri-lo. Em meados dos anos 1980, estava bastante deteriorado e precisava de restauração. O colecionador e restaurador de carros-conceito Joe Bortz comprou o modelo e promovei uma restauração completa, devolvendo-o à sua antiga glória. O Firearrow ll foi comprado por Don Williams, da “Blackhawk Collection” e está em exposição no Museu Blackhawk, em Danville, Califórnia, há muitos anos. Foi exibido no gramado de Pebble Beach em 2000.

No início de 1955, o cupê Firearrow III foi embalado e enviado de volta para Ghia, em Turim, Itália. De lá, foi vendido para alguém na França que ficou com o carro pelos próximos 30 anos. Durante as três décadas seguintes, o Firearrow III foi usado regularmente e depois dirigido ou exibido com moderação. Mais tarde, ele desapareceu e foi considerado perdido. Na década de 1980, uma consulta a uma revista automotiva chamou a atenção do então chefe de desenho da GM, o falecido Dave Holls. Uma carta ao editor do dono do carro, agora de volta à Itália, estava tentando localizar algumas informações sobre o cupê com carroceria Ghia.
Holls alertou Joe Bortz sobre o paradeiro do carro e esforços foram feitos por Bortz para comprar o carro e adicioná-lo à sua coleção de carros-conceito únicos. Após vários meses de negociação, o Firearrow III foi comprado e devolvido aos Estados Unidos. Mais tarde, o Firearrow III foi submetido a uma restauração completa por Fran Roxas, que cuidadosamente o devolveu à sua aparência original.

O Firearrow IV foi restaurado e pertenceu anteriormente aos colecionadores Noel Thompson e Sam e Emily Mann, entre outros, mas a Blackhawk Collection é a guardiã do carro há muitos anos, e ele está em exposição ao lado do Firearrow II no museu há algum tempo.

Embora os Firearrow nunca tenham entrado em produção, um homem não os deixaria morrer. Gene Casaroll era dono de uma empresa de transportes sediada em Detroit, chamada Automotive Shippers, que transportava carros novos. Casaroll também era dono de uma empresa que produzia caminhões bimotores para o Exército americano durante a Segunda Guerra Mundial, chamada Dual-Motors. Um apaixonado entusiasta por carros, Casaroll comprou os direitos do desenho Firearrow da Chrysler após conversar com o proprietário da Carrozzeria Ghia, Luigi Segre.

Casaroll fez com que Ghia desenvolvesse um carro baseado no Dodge de 1955 utilizando o mesmo powertrain, mas com um tipo de construção de carroceria para ganhar espaço interno, mas manter a postura baixa dos Firearrow originais. O protótipo foi chamado de “Firebomb”. Em 1956, o primeiro de cerca de 177 conversíveis de luxo Dual-Ghia entrou em produção, terminando em 1958.
