Conexão Maranello: carros com motor Ferrari, mas que não são Ferrari…
Os motores da Ferrari não equiparam apenas os modelos da famosa marca de Maranello. Houve vários outros carros assim abençoados, e nesta lista de AUTO&TÉCNICA, vamos conhecer estas maravilhas. O motor é o coração e a alma de qualquer carro esportivo, e isso se aplica especialmente às Ferrari. Para Enzo Ferrari, o motor era a parte principal de qualquer um de seus carros. Ele tinha tanto orgulho dos motores produzidos em Maranello que, em 1960, até debochou afirmando que “a aerodinâmica é para pessoas que não sabem construir motores”. Embora suas visões sobre aerodinâmica tivessem que mudar com o passar dos anos, a Ferrari permaneceu fiel à construção de motores que empolgam e vencem corridas. Por conta de várias circunstâncias históricas, diversos modelos de outras montadoras acabaram equipados com os motores da Ferrari. Alguns desses casos são mais recentes, como o V6 biturbo usado pelos Alfa Romeo Giulia e Stelvio Quadrifoglio, mas há outros que obrigam a remexer o fundo do baú da história automotiva, como é o caso do desconhecido ASA 1000 GT. Mas nem tudo está perdido, pois em comum, todos os modelos que encontramos nessa jornada tinham uma característica: a origem italiana
por Ricardo Caruso
ASA 1000 GT
Se atualmente a presença de motores V8 —e agora até V6— na linha Ferrari passou a ser algo normal, nas décadas de 1950 e 1960 a marca de Maranello era bem mais exigente. Debaixo do capô dos seus carros de rua nunca se encontrava menos que um motor V12, o que também refletia de imediato na exclusividade e preço dos seus modelos.
Como alternativa mais acessível aos seus caríssimos V12, Enzo Ferrari pensou na possibilidade de desenvolver um novo modelo para preencher esse mercado. Uma espécie de “Ferrari popular”… E assim surgiu o ASA 1000 GT, um pequeno esportivo desenvolvido pela Ferrari, equipado com um também pequeno motor de quatro cilindros de apenas 1.0 litro de capacidade, o que era um 1/3 do motor 3.0V12 em alumínio da Ferrari.
A pergunta óbvia: por que o ASA 1000 GT não se chamou Ferrari? Se Enzo Ferrari era contra equipar um modelo qualquer com o símbolo da marca, “o cavallino rampante”, que não tivesse motor V12, também não aceitava discutir a expanção de suas instalações para acomodar a produção prevista de mais de 3000 unidades/ano do ASA.
Por isso recorreu à sua boa relação com a família Nora, de conhecidos industriais italianos, para produzir o pequeno esportivo, criando no processo a ASA (Autocostruzioni Società per Azioni).
Apresentado no Salão de Turim de 1961, o ASA 1000 GT só começou a ser produzido três anos depois, em 1964. As suas linhas eram criação de Giorgetto Giugiaro (que trabalhava na Bertone), enquanto o seu chassi foi desenvolvido por outro grande nome da indústria automotiva italiana, Giotto Bizzarrini.
Produzido até 1967, o ASA 1000 GT rapidamente ficou conhecido como “Ferrarina” (ou “pequena Ferrari”) evidenciando a ligação com a marca. Apesar da ideia de ser um carro acessível, o ASA 1000 GT chegou ao mercado com preço elevado, pois também contava com mimos como os quatro discos de freio ou mesmo o motor Ferrari, e por isso não passou nem perto do sucesso esperado: no fim das contas, apenas 90 unidades foram produzidas
CHEGA O DINO V6
Desenvolvido em conjunto por Alfredo “Alfredino” Ferrari e o pai do primeiro V6 de produção (Lancia), Vittorio Jano, o primeiro motor V6 da Ferrari (o Dino V6) nasceu com um só objetivo: ser usado na Fórmula 2. Mas os regulamentos impunham que, para efeitos de homologação, o motor teria de equipar carros de rua e ter sido produzido em pelo menos 500 unidades num período de 12 meses.
Sem capacidade para produzir tantos carros em Maranello nesse curto espaço de tempo, a Ferrari recorreu à Fiat, que assim recebeu um interessante motor V6 para criar um dos seus modelos mais especiais de todos os tempos: o Fiat Dino.
O Fiat Dino estava disponível como Dino Spyder (desenhado por Pininfarina) ou Coupé (da autoria de Bertone), tinha tração traseira e estava equipado com o mesmo 2.0V6 que equipava o Dino 206 GT (uma espécie de mini-Ferrari, na qual faltava apenas o emblema do cavalinho), oferecia 160 cv, e vinha acoplado a uma caixa de câmbio manual de cinco velocidades.
Em 1969, a dupla dos Fiat Dino recebeu um facelift. O 2.0V6 de alumínio foi substituído por outro motor, com bloco de ferro e 2.400 cm3, mais potente, o mesmo encontrado no Dino 246 GT ou no lendário Lancia Stratos. Por muito tempo, os Fiat Dino foram considerados excêntricos do mundo dos carros clássicos. Seus donos reclamavam que o Dino era “um Fiat usado que você tinha que pagar preços de Ferrari para consertar”. Os tempos mudaram hoje em dia, e os colecionadores reconhecem o apelo do Fiat.
Além de ter continuado presente no Fiat Dino e nos Dino 246 GT e GTS, este motor chegou igualmente a um dos mais icônicos modelos da indústria automotiva: o Lancia Stratos, lançado em 1973.
O resto é história. O Stratos foi o primeiro carro a ser concebido especificamente para as provas de rali, e o seu motor V6, aplicado em posição central traseira —nesse caso com 190 cv— ajudou a Lancia a conquistar três títulos consecutivos de construtores.
Outra vez Lancia
Entre 1975 (o último ano de produção do Stratos) e 1986, os motores da Ferrari voltaram a equipar apenas carros Ferrari. Mas o Lancia Thema 8.32 mudou essa regra.
Equipado com motor 3.0V8 (clindrada exata de 2.927 cm3) da Ferrari, o Thema 8.32 marcou o regresso dos motores Ferrari à Lancia.
Partilhado com o Ferrari 308 Quattrovalvole, este motor entregava, na versão sem catalisador, 215 cv de potência máxima, que permitiam ao sedã da Lancia acelerar de zero a 100 km/h em 6,8s e atingir os 240 km/h de velocidade máxima.
Quanto à designação 8.32, essa tinha origem nos números do motor V8: “8” de oito cilindros, e “32” de 32 válvulas.
A MASERATI TAMBÉM TEM HISTÓRIA
Quando nos anos 1990 Luca di Montezemolo ficou no comando dos destinos da Ferrari e, algum tempo depois, da Maserati, era apenas questão de tempo para que os motores da Ferrari chegassem às propostas da marca do tridente. O relacionamento da Ferrari com a Fiat não havia terminado –a gigante da indústria italiana tinha adquirido 50% das ações da Ferrari no final dos anos 1960- levando a décadas de colaboração entre as marcas. Em 1993, a Fiat também comprou a Maserati, e assim Montezemolo, da Ferrari, foi indicado para comandar ambas as marcas de supercarros. E ele decidiu que a Maserati podia ter um Ferrari V8, conhecido como F136 na linguagem interna da marca, que é encontrado na F430.
Isso se confirmou-se em 2002, quando os Maserati Coupe e Spyder (também conhecidos como 4200 GT) receberam o motor V8 F136 da Ferrari. Para melhor se adaptar às características dos modelos da Maserati, o 4.2V8 (4244 cm3) apresentava-se com um virabrequim “cruzado”, que permitia funcionamento mais suave e foco no maior torque) ao invés do virabrequim plano (mais leve, equilibrado e capaz de atingir maior rotação) dos Ferrari. Os motores V8 que utilizam virabrequim cruzado usam duas bielas montadas em 90º em relação à seguinte, ou seja, a posição do primeiro e do último pistão é diferente, nesse caso, podemos perceber uma vibração constante, onde é necessário a aplicação de contrapesos, o que torna sua operação mais tranquila.
Além do Coupe e Spyder, o motor V8 equipou também o Quattoporte e evoluiu para uma versão com 4.700 cm3, equipando outros modelos como o GranSport e mais tarde, os GranTurismo e GranCabrio; estes dois foram aposentados em 2019.
ALFA ROMEO MANTÉM A TRADIÇÃO
Além dos Maserati, o motor Ferrari 4.7V8 aspirado encontrou abrigo ainda nos belíssimos Alfa 8C Competizione e 8C Spider. O 8C foi o primeiro, mas foi com os Alfa Romeo Giulia e Stelvio Quadrifoglio que a ligação entre a Alfa Romeo e a Ferrari se estreitou.
O responsável dissso foi a 2.9V6 biturbo“by Ferrari”, capaz de entregar 510 cv de potência e 60 mkgf de torque, máximos. Por fim, nos Giulia GTA e GTAm, a potência subiu para impressionantes 540 cv, número que faz estas Alfa Romeo as mais potentes de todos os tempos.