Cyclone 1959: o abusado foguete da Cadillac
O Cadillac Cyclone 1959 foi o último “dream car” criado durante a gestão de Harley Earl como vice-presidente de design da General Motors. Era um carro imenso se comparado com os modelos nacionais, mas era até compacto para os padrões americanos. O Cyclone marcou o final de uma era, coincidindo com o fim da carreira de Earl, que começara em 1926, quando desenhou o LaSalle e criou um estilo de criar e gerenciar o desenho dos carros até então inédito na indústria.
Earl passou sua vida profissional desenhando carros longos e baixos, sua marca registrada. Ele chamou a atenção da GM nos anos 1920, depois de ter ficado famoso entre os astros de Hollywood, por conta das criações de conversíveis e limusines feitas por seu pai, então dono da Earl Carriage Works.
Don Lee, distribuidor de Cadillac na região da California, contratou os serviços de Earl em 1919, depois que Harley Earl Sr. deixou os negócios por problemas de saúde. Logo o jovem Earl começou a criar carrocerias especiais, montadas em chassis de modelos luxuosos, como Packard, Pierce-Arrow, Rolls-Royce e, claro, Cadillac.
Em 1958, com a aposentadoria chegando, Earl quis deixar a carreira com um trabalho realmente impressionante, criando um dream car que deixasse queixos caídos onde fosse mostrado. Os dream cars, como o nome diz, eram carros de sonho, que exibiam a criatividade e devaneios dos desenhistas daqueles anos, enquanto os concept cars, mais recentes, servem para avaliar a reação do público para soluções que, em pouco tempo, estarão equipando os carros de série.
E foi como um presente de Earl para o mundo do automóvel que nasceu o Cadillac Cyclone, que na prática foi mais um concept do que um dream car, já que muitas de suas soluções foram aplicadas depois no mais clássico dos carros da marca, o Cadillac 1959.
Lawrence P. Fisher, presidente da Cadillac, era um homem jovem de idéias também jovens, seguia a escola européia, onde o que mandava era a funcionalidade sobre o estilo. Ao conhecer o trabalho de Earl na criação de carrocerias especiais, mudou de idéia. A competição no segmento de luxo era grande, em especial por marcas como a Packard, e Fisher ficou impressionado com os desenhos de Earl, e o convidou para ir a Detroit, apresentar propostas para a LaSalle.
O resto da história é fácil imaginar. Seus desenhos e idéias foram aceitas e, pouco depois, Alfred Sloan Jr, presidente da GM, reconheceu a importância do desenho no futuro da indústria automobilística, e convidou Earl para criar um novo departamento dentro da empresa, chamado “Art and Colour”.
Este nome foi cuidadosamente escolhido para se diferenciar dos departamentos de engenharia, e era destinado apenas a desenhar, sem se prender a nada. Este processo foi lento e gradual, pois separar desenho da engenharia nunca foi fácil, mesmo nos dias de hoje. Mas sucessos como os Cadillac V12 e V16 em 1930, e os desenhos aerodinâmicos de 1933, garantiram a posição de influência da área de Earl na montadora.
Uma das razões do sucesso de Earl era usar modelos de clay para apresentar suas idéias, enquanto outros projetistas exibiam apenas desenhos e rascunhos. Seus dream cars não eram apenas agradáveis de ver, mas eram divertidos de dirigir, causavam grande impacto e mediam a opinião do público diante de novidades tão exageradas, o que deu mais importância ainda ao seu departamento.
O desenhista chefe da Packard, Ed Macauley, dirigia um futurista speedster com carroceria boat-tail, e fazia nele constantes alterações. Earl não ficou atrás, e em 1938, seu primeiro dream car, o Y-Job, foi apresentado. E passou a ser dirigido por Earl. Era um conversível de dois lugares, montado num chassi Buick, e apresentava muitas novidades que foram vistas nos Buick do futuro. Earl adorava usar o carro no dia a dia, e o programa de dream cars dentro da GM ganhou mais importância.
Segundo um press kit da montadora de 1968, “muito das soluções de estilo da General Motors através dos anos vieram dos estúdios de design, servindo de periscópio para o futuro da indústria. Os dream cars nasceram em 1938, para dar aos desenhistas uma ferramenta avançada de trabalho. Os dream cars eram mais do que esculturas para serem apreciadas em pedestais: eles eram um símbolo de fascinação para o público, e ajudaram a direcionar o desenho dos automóveis, acelerando o que seria a evolução normal”.
Logo depois da chegada do Y-Job, a guerra freou o desenvolvimento dos carros norte-americanos, pois a indústria se voltou para a produção de armamentos. Isso durou até 1951, quando a GM apresentou o LeSabre e o Buick XP-300. Em paralelo ao desenvolvimento de novos carros, a GM investiu em dream cars, em especial para o Motorama, mostra que passou por diversas cidades entre 1949 e 1961. Não existia um Salão do Automóvel relevante no período, e por isso a GM criou o seu. O Motorama serviu para sentir como reagia o público diante das idéias apresentadas.
Os dream cars eram esperados com muito ansiedade pelo público (no Motorama de 1954 foram mostrados 12 carros especiais), e no evento de 1959, a atração foi justamente o Cadillac Cyclone. Uma nave espacial para as ruas, o Cyclone 1959 representava a visão de Harley Earl para o futuro. Contou com a ajuda de Carl Renner para o projeto, chamado de XP-74, que terminou o carro um pouco antes de Earl se aposentar, em dezembro de 1958. Alguns dream cars eram feitos apenas para exposição estática, mas outros rodavam normalmente.
O Cyclone era assim, todo funcional. Earl foi embora para casa assim que se aposentou guiando sua última criação. O Cadillac tinha motor 390V8 de 325 cv e transmissão Hydra-Matic, tudo de série, além de diferencial de duas velocidades, o que dava ao carro seis marchas (junto à alavanca de marchas observamos a sequência P-6-5-4-3-2-1-R). O carburador era quadrijet, montado sem filtro de ar, por causa do capô baixo.
O escapamento era com duas saídas, localizadas na frente dos paralamas dianteiros. A suspensão era por ar comprimido, e acessórios como compressor do ar condicionado, bomba d’água e gerador eram montados na frente do motor, acionados pela polia do comando de válvulas. Duas ventoinhas resfriavam o radiador de alumínio, e o sistema de freios usava servo-freio. A caixa de direção Saginaw, com válvulas rotativas, se tornou de série nos Cadillac de anos depois.
Uma das primeiras aparições publicitárias do Cyclone foi na abertura do novo circuito de Daytona em fevereiro de 1959, quando o general Curtis LeMay o dirigiu por uma histórica volta naquela pista. O carro apresentou muitos problemas elétricos e de suspensão, afinal, era um protótipo pouco testado. Muitas de suas novidades eram impraticáveis para uso diário, como o teto de plexiglas. A peça foi revestida por dentro de pintura prata, para reduzir a temperatura, mas o efeito foi o contrário.
Felizmente, o Cyclone foi um dos muitos carros salvos e bem guardados pela General Motors, e de vez em quando é levado para alguma exposição. O modelo passou por algumas poucas reformas, antes mesmo de sua estréia em Daytona, em 1959. Era prata, foi pintado de branco e, atualmente, está prata de novo. Os logos GMAT foram retirados, as lanternas traseiras substituídas por outras convencionais, e as problemáticas suspensões a ar trocadas por outras de molas normais.
Ficou a lembrança de um carro impressionante, criado por um dos gênios que a GM teve como coloaborador. Do Cyclone ao modelo de série de 1959, um visual futurista, exagerado e que hoje é considerado o mais antológico carro de todos os tempos.
O DA VINCI DE DETROIT
Harley Earl é considerado o primeiro estilista autêntico de automóveis. Antes dele, o desenho dos carros era resultado do que a engenharia impunha, absolutamente funcional e nada mais. Por isso os carros eram tão iguais no inicio da história da indústria. Earl deu conta de que o desenho não iria diferencair modelos e marcas, mas também seria responsável pelo aumento de vendas, palavras doces que sempre animam as montadoras.
Por isso, na General Motors, a maior fabricante de automoveis do planeta, Earl é um nome respeitadoe reverenciado, e sobre ele falam com orgulho: O nome do nosso pai em arte e estilo é Harley”.
Harley, chamado também de “Da Vinci de Detroit”, trabalhou tanto em carros de produção como em modelos conceituais. Confira algumas de suas obras:
1927 Cadillac LaSalle
1934 Cadillac LaSalle*
1938 Buick Y-Job*
1947 Buick Roadmaster
1951 Buick LeSabre*
1953 Cadillac Eldorado
1953 Buick Skylark
1953 Chevrolet Corvette
1953 Oldsmobile F88*
1954 Firebird I*
1957 Chevrolet BelAir
1957 Cadillac Eldorado Brougham
1959 Chevrolet Impala
1959 Cadillac Cyclone*
1959 Cadillac Fleetwood
1959 Cadillac Eldorado Biarritz
(*) Modelos conceituais