De ídolo a super-herói, 24 anos sem Ayrton Senna
Esqueça heróis pré-fabricados, como Tiradentes ou Duque de Caxias. O Brasil só teve um herói, na verdade um super-herói: Ayrton Senna. Há 24 anos anos, naquele nebuloso 1º de maio de 1994, Brasil perdeu mais do que seu super-herói, uma figura idolatrada como nunca se viu antes. O tricampeão saiu da vida terrena e entrou para a história, sendo reverenciado por seus feitos nas pistas. Até hoje ostenta o título de maior piloto de todos os tempos.
Naquela manhã de 1º de maio de 1994, exatamente às 9h16min no Brasil: foi essa a hora em que o coração do País inteiro parou. O Brasil morreu um pouco no momento exato em que a Williams de Senna encontrou o muro da curva Tamburello.
Era a primeira temporada de Ayrton Senna na equipe Williams, a terceira corrida do ano, e ele ainda não havia pontuado. A Williams vinha dominando as corridas nas temporadas anteriores e a FIA promoveu uma drástica mudança de regulamento, que exigiu de Ayrton praticamente reconstruir o carro para deixá-lo competitivo. Ayrton percebeu que Michael Schumacher estava andando fora de regulamento, e reclamou repetidas vezes com a Williams, que preferiu não levar o caso adiante. Parecendo um jogo de cartas marcadas, interessava para a Fórmula 1 colocar freio na vantagem da Williams, a fim de deixar o campeonato mais “interessante”. Assim, as suspeitas de Senna sequer foram consideradas.
Mesmo sem pontuar até então, pela terceira vez no ano, o piloto brasileiro marcou a pole position e vinha liderando a prova em Ímola, quando, na sétima volta, o carro inexplicavelmente passou reto na curva e se chocou com o muro. Um dos braços da suspensão dianteira direita perfurou seu capacete e atingiu sua cabeça. O atendimento ao tricampeão mundial consumiu 20 angustiantes minutos. Dali para o hospital (outra manobra da categoria, para que ele não fosse declarado morto na pista) e, às 13h40m, sua morte foi anunciada. Meio metro antes, meio metro depois do ponto da batida, e Senna sairia andando do carro.
Aquele foi o fim de semana mais assustador da história da Fórmula 1. Na sexta-feira, durante os treinos, Rubens Barrichello bateu a quase 300 km/h e não morreu por milagre. No sábado, o austríaco Roland Ratzenberger perdeu a vida durante o treino de classificação. No domingo, além do acidente de Senna, uma batida na largada envolvendo J.J. Letho e Pedro Lamy causou ferimentos graves em quatro torcedores, e uma parada de box desastrosa da Ferrari mandou dois mecânicos para o hospital.
O Brasil não perdeu apenas um grande piloto, o maior de todos. A imediata comoção que tomou conta do País foi o indício de que o Brasil havia perdido uma figura que ia além da esfera esportiva. Era o único orgulho de um povo sofrido e maltratado. As imagens do cortejo com o caixão de Senna por São Paulo são impressionantes e angustiantes. Milhares de pessoas acompanharam a chegada de seu corpo e o velório, que durou quase um dia todo. O governo brasileiro decretou três dias de luto oficial, a Bolsa de Valores parou e o sepultamento de Senna teve as honrarias de chefe de Estado e a presença de pilotos da Fórmula 1. Menos Schumacher.
Perseguido pelos cartolas da FIA, Senna foi um símbolo de luta e perseverança. Tinha a fama de perfeccionista e implacável ao volante de um carro. Ele ultrapassava seus limites de segurança, mais do que qualquer outro. Seu foco era um só: vencer.
O super-herói Ayrton Senna não é idolatrado apenas pelo que fez nas pistas. Senna transcendia isso. Sua imagem de batalhador e vitorioso era o único alento para seu povo sofrido. Era ele que, ao erguer a bandeira brasileira a cada vitória, elevava a autoestima de seus trcedores, massacrados em um País repleto de problemas.
E, se chovesse, o Brasil sorria. Ele era também um gênio no piso molhado. Nada mais eloquente do que ele pulando do quinto lugar para assumir a ponta na primeira volta da corrida de Donnington Park, em 1993. Foi a “volta perfeita” da história da Fórmula 1. Segundo Martin Brundle, que competiu com Senna por mais de 10 anos, “se você quer saber quem foi Ayrton Senna e o que ele foi como piloto de corridas, esses 40 segundos definem tudo”.
Mas, afinal, o que derrotou Senna há 28 anos? Para identificar a causa do acidente, a Justiça italiana abriu um processo que se estendeu por longos anos. Em 13 de abril de 2007, decretou que “o acidente foi causado por uma quebra da coluna de direção, originada de modificações mal executadas”. A responsabilidade apontou para Patrick Head, projetista-chefe da Williams em 1994. Condenado 13 anos após o acidente, não foi preso, pois na Itália homicídio culposo prescreve depois de sete anos e seis meses…
Senna foi o penúltimo piloto a morrer em um carro de Fórmula 1. Jules Bianchi faleceu em 2015, vítima do acidente que sofreu no Japão em 2014. Schumacher, aquele que provavelmente estava fora de regulamento em 1994, ficou sem rival na Fórmula 1 e colecionou sete títulos mundiais; hoje vegeta. De 1994 para cá, foram feitas diversas mudanças nos carros e nas pistas, para aumentar a segurança dos pilotos. E a traiçoeira curva Tamburello acabou virou uma simples chicane.
Senna teria 58 anos. Correu 10 memoráveis anos na Fórmula 1 e conquistou três títulos mundiais: 1988, 1990 e 1991. Disputou 161 corridas, chegou ao pódio 80 vezes e somou 41 vitórias. Foram ainda 65 poles e a impressionante marca de seis vitórias em Mônaco.
Por tudo isso, devemos sempre reverenciar Ayrton Senna como o único super-herói brasileiro.
“Senna era muito mais rápido que você conduzindo o mesmo carro, e tão rápido quanto com um carro inferior”. Alain Prost.
“Se você me perguntar, eu colocaria Senna como o número um. Se Senna não tivesse morrido, eu não teria conquistado os títulos de 1994 e 1995, simplesmente porque ele era melhor “. Michael Schumacher.
“Eu tinha 9 anos e estava correndo naquele fim de semana. Meu pai estava trabalhando no carro e me lembro dele contando. Fui até o outro lado do carro e chorei copiosamente. As décadas de 1980 e 1990 foram os anos grandiosos da Fórmula 1. E Senna estava no topo”. Lewis Hamilton.
“Ayrton teria feito coisas ainda melhores que as que Schumacher fez se não tivesse morrido em Ímola. Acho que Michael é super, mas se eles estivessem com o mesmo carro, eu apostaria meu dinheiro em Ayrton”. Bernie Ecclestone.
“O melhor piloto com quem trabalhei foi Ayrton Senna, e isso não apenas por seu desempenho na pista, mas por sua amizade e clareza”. Ron Dennis.