Dieselgate: como a VW pode ter matado os carros a diesel
A Volkswagen fez um desserviço não só para seus clientes e para o meio ambiente, mas também para o futuro dos automóveis a diesel. A indústria automotiva receia de que um maior nível de exigência por parte do comprador em relação às emissões dos motores diesel leve a um aumento dos custos e a uma revolta dos consumidores contra uma tecnologia poluidora, segundo análise do Financial Times sobre o rescaldo da crise de emissões do Grupo VW.
O “Escândalo VW” vai levar a ainda um nível mais restrito por parte dos órgãos reguladores e a testes de emissões muito mais exigentes, tornando ainda mais cara a produção de motores diesel “limpos”, numa indústria que briga há tempos com a redução das suas margens de lucro.
Ao mesmo tempo, o debate público sobre o impacto poluidor dos diesel levará muitos consumidores a não mais comprarem carros com este tipo de motores. No Brasil, onde há décadas se tenta modificar a legislação para permitir o uso de diesel em automóveis e comerciais leves, isso deverá provocar demora ainda maior na busca de uma conclusão sobre o assunto.
Somando-se a isso tudo, há a pressão crescente sobre os fabricantes para que encontrem tecnologias alternativas -principalmente elétricas- para cumprirem os limites mais exigentes das emissões de carbono, fixados pela União Europeia para 2020. E tudo isso acarretará novas despesas e investimentos para os fabricantes que, dado o ambiente altamente competitivo da indústria, não conseguirão transferir estes custos para os consumidores.
A cotação das ações da VW já despencou quase 40% desde que, em 18 de setembro, foi publicada em todo o mundo a notícia de que a marca fraudou os resultados dos testes de emissões de alguns dos seus motores diesel.
As ações de outros fabricantes europeus -BWW, Daimler, Renault e PSA Peugeot Citroen- também caíram, embora menos que as da VW, revelando o receio dos investidores de que o escândalo VW acelere o declínio dos motores diesel na Europa.
Algumas dessas companhias investiram bilhões de dólares no desenvolvimento de motores diesel, aumentando a quota de mercado deste tipo de motores para 55% das vendas da Europa Ocidental. Isso reflete, em parte, a orientação a favor do diesel dos governos, apostando numa tecnologia menos emissora de carbono, quando comparados com motores gasolina equivalentes.
Agora, e na sequência do “Escândalo VW”, a LMC Automotive, empresa de estudos de mercado, prevê que a penetração dos diesel na Europa Ocidental caia doss 55% atuais para 33%, até 2022. Esta “demonização do diesel” já estava em curso mesmo antes de ser deflagrado o escândalo da Volkswagen. Sucessivos relatórios revelaram os efeitos nocivos dos óxidos de nitrogênio e das partículas finas, os poluentes dos motores diesel aos quais é atribuída a responsabilidade por problemas respiratórios que causam a morte de 52 mil pessoas, por ano, só no Reino Unido, segundo um estudo oficial daquele governo.
Alguns organismos -como o Internacional Council on Clean Transportation, que ajudou a desmascarar a Volkswagen- têm tornado público os elevados níveis de óxidos de nitrogênio emitidos pelos automóveis com motores diesel, apesar de cumprirem os limites de emissões de dióxido de carbono da norma Euro 6, o mais recente regulamento europeu sobre o assunto.
A fraude da Volkswagen deu novos argumentos aos críticos dos motores a diesel. A Comissão Europeia, que está trabalhando em testes mais rigorosos que o atual (considerado ultrapassado) e está decidida a apertar ainda mais o cerco nos testes de laboratório para os motores diesel e gasolina, no que diz respeito a emissões não apenas de dióxido de carbono, mas também de óxido de nitrogênio, que passarão a ser medidos na Europa a partir de 2017, como já acontece nos Estados Unidos. Outra das orientações é aproximar as condições dos testes de laboratório das condições normais de circulação em rua, para reduzir a diferença entre as medições dos testes e a realidade. Para isso vai bastar acabar c0m os testes de laboratórios e fazer as medições em situações reais, o que vai exigir mais investimentos das empresas além de simples programas adulterados de gerenciamento de motores.
Para os fabricantes de automóveis, os custos de utilizarem tecnologias de redução de emissões para cumprirem as normas Euro 6 pode atingir US$ 1500 por carro, segundo estimativas de um analista do BNP Paribas consultado pelo Financial Times. E este valor poderá ainda subir, entre US$ 300 e US$ 400 por carro, com a introdução da norma Euro 6c, em 2017, adianta o mesmo analista. O que será um enorme desafio para a Fiat, PSA Peugeot Citroen, Renault e para as marcas de volume do Grupo VW. As marcas premium, como a BMW, Mercedes-Benz e Audi, vendem os seus modelos por preços mais elevados e, por isso, têm maior margem para absorver o custo extra da muito cara tecnologia de controle de emissões.
Se no Brasil ainda nem entraram em produção, os dias dos pequenos carros diesel na Europa parecem contados. Nesse tipo de carro, não há muita margem financeira, e os pequenos motores diesel deverão se tornar peças de museu, substituídos por modernos e eficientes motores a gasolina de três cilindros e baixa cilindrada. Dane-se o torque.
O desafio para os fabricantes europeus será converter a produção nas suas fábricas do diesel para a gasolina A Peugeot garante que a sua capacidade de produção de motores a gasolina não está completamente utilizada, o que lhe dá a possibilidade de ajustar rapidamente a produção.
Mas por outro lado, há analistas de mercado que garantem que os diesel não vão morrer. Hoje, os motores diesel respondem por 80% das vendas europeias da BMW, por quase 75% na Daimler e por cerca de 66% na Peugeot e na Renault. Para a Fiat Chrysler, o diesel vale 43% das suas vendas na Europa.
Os dados sobre o mercado francês, por exemplo, dão uma perspetiva diferente- Aquele país já foi um dos adeptos mais entusiasmados do diesel, mas está agora refrear o entusiasmo. Paris ameaça banir os automóveis diesel do centro da capital a partir de 2020, por causa das preocupações com a poluição do ar. E o resultado desta tendência é que a quota do diesel nas vendas de automóveis na França caiu de 75%, em junho de 2012, para menos de 60% em agosto passado.
Se a Europa decidir começar a derrubar os diesel, os terão que fazer apostas muito maiores do que inicialmente previsto em veículos elétricos e híbridos, como forma de cumprir os limites das emissões de dióxido de carbono, anunciados pela União Europeia para 2020.
Fabricantes, como a BWM, garantem que os diesel continuarão a ter peso importante e que os objetivos de emissões para 2020 só poderão ser atingidos como recurso a modernos motores diesel e de uma ainda maior eletrificação de novos veículos.
O fim dos diesel, na verdade, é um dilema para as montadoras. Por um lado deixariam de fazer investimentos pesados para reduzir a emissão de poluentes, mas por outro teriam que gastar muito e tornar realidade maior ainda os carros elétricos e híbridos.
Para o Brasil, que ainda engatinha no assunto “motores alternativos” acreditando que os motores flex são o supra-sumo da tecnologia, seria um bom momento de alinha sua legislação em relação à emissão de poluentes com a Europa. Isso permitiria deixar a discussão do diesel de lado e obrigar as montadoras a oferecerem tecnologia realmente de ponta, ou seja, carros elétricos, híbridos ou a hidrogênio. Isso custa caro e, obviamente, elas não querem…