Ford Eltec, o Escort apressadinho
Em 1985, a Ford produzia o Escort MK3 na Europa (aquele que foi o primeiro modelo brasileiro) até que alguém da montadora pegou um calendário do futuro, confiou na pressa e planejou mostrar o Eltec, conceito do carro duas gerações para a frente, passando por cima até mesmo do Escort MK4, que ainda estava sendo desenvolvido.
por Ricardo Caruso
O Eltec pode não parecer um carro especialmente inovador nas imagens, mas quando fez a sua primeira aparição no Salão de Frankfurt de 1985, este hatch de quatro portas representou uma ideia do futuro da Ford; depois se constatou que parecia notavelmente com o Escort MK5, amado e odiado na mesma proporção, de 1990. Apenas o nome Eltec, que era uma abreviação de Electronic Technology (Tecnologia Eletrônica), sugeria qual era o propósito deste conceito: mostrar como a eletrônica poderia ser usada para tornar mais seguro um carro familiar do futuro, confortável e limpo de emissões.
Grande parte da tecnologia incorporada no Eltec tornou-se comum com o passar do tempo, desde que o carro foi apresentado pela primeira vez, mas o que é fascinante é o nível de boa parte de sua eletrônica, que agora é algo comum. Enquanto o Eltec era um hatch de porte médio, hoje praticamente todos carros de todos os tamanhos estão equipados com freios ABS, transmissões CVT e gerenciamento eletrônico das funções do motor, desde a injeção de combustível até à ignição. Ele já ostentava isso e muito mais.
Mas não era apenas a tecnologia escondida sob a carroceria que era importante para o Eltec; aquele desenho dos estúdios Ghia também foi de grande importância, não só por antecipar o MK5. Os vidros não estavam apenas nivelado com a carroceria, mas também com quase todas as superfícies acima da linha de cintura.
Até o teto era envidraçado, mas em vez de ter apenas um acabamento de vidro, havia cinco lâminas, como venezianas, que podiam ser inclinados para cima para fornecer ventilação. Alternativamente, era possível deslizar tudo para trás para abrir o teto. Mas se isso tornasse o interior muito arejado ou barulhento, eles poderiam ser mantidos fechados e a cabine não ficaria muito quente, porque todo o vidro era escurecido. Esse teto solar de vidro dividido em painéis era muito parecido com o Skywindow do Fiat Stilo, de muitos anos depois.
Embora as linhas gerais não pareçam particularmente ousadas, existem alguns toques bastante agradáveis. Talvez o mais útil seja o posicionamento da luz traseira. Anos antes da Volvo começar a empilhar suas luzes traseiras em cada lado da vigia traseira do V70, a Ford fez isso no Eltec. As lanternas inferiores incorporavam várias lâmpadas para segurança e, para melhorar a aerodinâmica, a grade montada na frente, e isso deu ao carro uma dianteira de desenho bastante suave. Interessante lembrar que as lanternas traseiras verticais acabaram sendo aproveitadas na primeira geração do Focus.
Aproveitando ao máximo todo o sistema de computação aplicado, houve uma ajuda ativa à condução, o que significava que a suspensão era controlada por computador para fornecer o melhor equilíbrio possível entre condução e dirigibilidade. A ideia convencional era de que se um carro tivesse suspensões muito macias e confortáveis, ele chafurdaria como uma barcaça desgovernada em um vendaval quando chegassem as curvas. Mas ao usar o sistema de suspensão ativa, era possível ter uma suspensão suave nas retas, mas mais rígida nas curvas, garantindo assim maior estabilidade. Uma solução semelhante, mas mais rudimentar, foi aplicada aqui nos MK4 batizados de Fórmula.
Juntamente com os freios ABS eletrônicos instalados no Eltec, havia também controle de tração. Embora esta forma eletrônica de tecnologia para evitar a derrapagem esteja agora em uso em todos os carros de produção, quando o Eltec foi revelado a única forma de controle de tração existente era mecânica, com os diferenciais de deslizamento limitado.
O motor 1.3 litros totalmente em liga de alumínio, foi produzido especialmente para o Eltec e produzia 80 cv. Era uma unidade de combustão “pobre”, o que significava que funcionava de forma mais limpa graças à menor quantidade de combustível queimado. Também apresentava três válvulas por cilindro, para ajudar a reduzir as emissões, e havia apenas um eixo comando de válvulas no cabeçote. Embora todas estas especificações tenham agora se tornado padrão ou mesmo excedidas na maioria dos carros, o coletor de admissão de comprimento variável foi verdadeiramente pioneiro neste “Escort”.
O carro tinha ainda sensores de pressão nos pneus, que avisavam o motorista por meio de um monitor eletrônico quando a pressão de um deles estava baixa. E até os próprios pneus do Eltec eram avançados, do tipo run-flat. O conceito que antecipava o Escort MK5 trazia -em plena metade dos anos 1980- faróis de xenônio e lâmpadas de LED.
Também projetado para reduzir as emissões, reduzindo quaisquer necessidade de acionamentos repentinos do acelerador, havia o “drive by wire”. Isso substituiu o cabo do acelerador, então comum, por um potenciômetro que sinalizava para a unidade de controle eletrônico (ECU) do carro exatamente quanto combustível e ar deveriam ser injetados nas câmaras de combustão. Novamente, pode ser comum agora, mas em 1985 não havia nada nas ruas que utilizasse essa tecnologia.
Toda a inovação do Ford Eltec, o Escort do futuro, acabou inspirando muitas coisas. Hoje o carro está guardado em algum galpão da Ford na Alemanha, sem o merecido reconhecimento: apresentou tecnologias, antecipou o Escort MK5 e deixou claro que a história do automóvel deveria destinar um lugar mais honroso para ele.