Grupo Volkswagen: um gigante com os pés de barro?
O objetivo de assumir a liderança da indústria automobilística mundial, hoje nas mãos da Toyota, poderá fazer a VW enfrentar muitos e inesperados problemas. O centro disso tudo é Ferdinand Piech, o chefão do grupo VW que, completando 77 anos, está próximo de se aposentar e levar com ele a base que implantou no grupo nos últimos 20 anos A responsabilidade de Piech foi crescendo nesse tempo de forma impressionante, em companhia de seu braço direito, Martin Winterkorn; este crescimento acelerou nos últimos sete anos. Nenhum outro comglomerado mundial viu suas vendas crescerem mais de 62% num período de 84 meses. E agora, como manter isso?
Martin Winterkorn, CEO do grupo VW e o braço direito de Ferdinand Piech, disse aos accionistas durante a reunião de maio para apresentação de resultados que “nada pode impedir a caminhada sustentada do grupo rumo à liderança da indústria, pois temos a essencial robustez financeira e uma convincente estratégia para o futuro”. Winterkorn pode falar assim, pois o faturamento do grupo passou dos US$ 250 bilhões, com o lucro crescendo apesar das vendas na Europa terem atingido os valores mais baixos dos últimos 20 anos.
12 MARCAS
O grupo VW cresceu de forma rápida desde que Martin Winterkorn assumiu o cargo de CEO em 2007. As marcas foram-se acumulando (são 12 neste momento: VW, Audi, Skoda, Seat, Porsche, Bentley, Bugatti, Lamborghini, Ducati, MAN, Scania, VW Comerciais, e eram oito quando chegou); o volume de negócios cresceu dos US$ 130 bilhões para mais de US$ 230 bilhões; as fábricas mais que duplicaram, indo para 106 unidades (eram 46 em 2007) e a linha subiu em sete anos para 315 modelos diferentes (eram 100).
Todo este poder e desenvolvimento -que não se refleta no Brasil- permite que o grupo vá investir mais de US$ 100 bilhões até 2018, esperando estar naquela essa altura no primeiro lugar da indústria automobilística mundial com margem de lucro, antes dos impostos, superior a 8%. Esta atividade feroz e investimentos, não impediu que Martin Winterkorn tenha anunciado que espera ter um superavit de US$ 40 bilhões no final de 2018, dinheiro que se vai juntar aos mais de US$ 24 bilhões colocados no banco no final do primeiro trimestre deste ano. Para se ter uma dieá da dimensão da performance do grupo VW fora do Brasil, o lucro da Renault no mesmo período foi de 10% do valor!
Assim, o grupo VW exibe uma robustez financeira, tecnológica e ímpeto impressionante, tendo se tornado um gigante. Porém, os gigantes têm, muitas vezes, sapatos rotos, e por isso os especialistas observam que a couraça do grupo alemão começa a apresentar alguns vazamentos. O maior dos problemas agofra é a saída de Ferdinand Piech. O veterano engenheiro, neto de Ferdinand Porsche, está próximo de ser um octogenário –tem 77 anos– e a sua saída está marcada para breve. Depois, há o delicado equilíbrio entre os acionistas. O grupo VW é detido por uma holding do Qatar, pela Porsche Automobil Holding e pelo governo da Baixa Saxônia, perfazendo os três quase 90% por cento do capital; até hoje, Piech sempre controlou estes interesses, tomando decisões duras e atuando como o alicerce que mantinha tudo debaixo de controlada harmonia.
PROBLEMAS
Depois, o grupo VW continua a não conseguir sucesso no mercado norte-americano, está em queda no Brasil e continua residual na Índia; os custos com a plataforma MQB têm ficado bem acima do projetado; a dimensão do grupo começa a ser uma ameaça à governabilidade, particularmente sem Piech, devido aos muitos conflitos de interesse internos e as pressões de grupo de acionistas menores que, não tendo voto nas decisões, pressionam para a venda de ativos que não façam parte do “core business” do grupo. Exemplo disso é a manutenção de 19,9% de participação na Suzuki, julgada desnecessária pois a marca japonesa não quer maiores envolvimentos com o grupo alemão e quer comprar de volta essas ações. Aliás, a questão está ainda sendo discutida num tribunal arbitral internacional desde novembro de 2011, em ação patrocinada pela Suzuki depois que Piech rejeitou revender o capital.
Mas há mais brechas no escudo do grupo VW. Continua a manter marcas que não conseguem se destacar, como por exemplo, a MAN e a Scania, compradas a peso de ouro para combater e tomar a liderança à Daimler Mercedes nos caminhões, estratégia que até hoje poucos resultados produziu. O grupo VW tem participação de 8,3% no Bayern Munique (via Audi), possui produtores de turbinas a vapor e motores para navios de transporte de conteiners. E tudo isto acaba criando problemas de execução, pois a dimensão do grupo é tal que algumas dificuldades acabam se tornando crônicas. O caso da Seat é emblemático. Foram feitos muitos os planos de reestruturação, mas os responsáveis pela execução dos mesmos e a marca espanhola não chegam aos lucros há anos.
Finalmente, todos os analistas são unânimes em dizer que o grupo VW deverá concentrar-se em resolver os seus problemas internos e de posicionamento. Ou seja, terá de mudar o fato de ter uma posição fraca em certos mercados e alguns “buracos” nas linhas, em especial entre os SUVs, segmento que voltou a ganhar destaque em todo o mundo. E crescer nos Estados Unidos com a Audi é fundamental, pois neste momento a marca de Ingolstadt continua atrás de BMW e Mercedes, e pior: a grande distância. Isto porque a VW mantém-se em queda nas vendas, por vezes com dois dígito, num mercado em franco crescimento, mesmo tendo apelado em reduzir suas margens para baixar preços. Este esforço tem como idéia elevar as vendas do grupo para um milhão de unidades, após terem ficado em 612.000 em 2013.
SEXO
A história mostra que os impérios mais poderosos têm tendência a se tornarem preguiçosos, complacentes e, sobretudo, palco de “incêndios” provocados por vaidades e lutas internas pelo poder. E o grupo VW não escapou disso; fazendo um exercício de memoria, escândalos também fizeram parte da história do grupo. Quem esqueceu o escândalo sexual que envolveu os responsáveis sindicais com participação na administração do grupo, em 2005, que levaram à resignação de um dos mais importantes responsáveis sindicais e aliado de Ferdinand Piech na pacificação social do grupo, Klaus Volkert. Esse escândalo levou Christian Wulff, ex-presidente da Baixa Saxônia e membro da administração por conta disso, a tentar derrubar Piech, mas a tentativa fracassou. Viagens regadas a bebidas e mulheres, em especial no Brasil, geraram muita discussão.
Depois disso, foi a luta entre membros da família de Piech, com Wolfgang Porsche, primo de Ferdinand Piech, apoiando Weidelin Wiedeking na tentativa de comprar o grupo VW, utilizando as enormes reservas de dinheiro da Porsche para pagar a tomada hostil de posição acionista. O ataque falhou, Piech contra-atacou e acabou comprando a Porsche, depois da Porsche Holding quase ter ido à falência com essa briga. Porsche teve que ceder diante de seu o primo Piech. Naturalmente que Wiedeking ganhou o ódio de Piech, e desapareceu da Porsche e nunca mais regressou à indústria automobilística.
Por todas estas questões, fica evidente que a sucessão de Ferdinand Piech será complicada, e até mesmo Martin Winterkorn começa a ser um problema. O braço-direito de Piech e homem de confiança do veterano engenheiro chegou aos 67 anos, idade que não é normal para um CEO. Na Alemanha é raro um excutivo top ir além dos 60 anos de idade com papel realmente ativo.
Por enquanto, Winterkorn fica no comando dos destinos do grupo VW, e a saída de Piech foi aliviada com a entrada de sua esposa no “board” de supervisão das empresas. Ela é bem mais nova que ele, educadora e sem nenhuma experiência no que diz respeito à gestão de empresas, muito menos em gestão na indústria automobilística…
Lucro operacional do Grupo VW
2008 – US$ 8,5 bi
2009 – US$ 2,5 bi
2010 – US$ 9,6 bi
2011 – US$ 15,3 bi
2012 – US$ 15,6 bi
2013 – US$ 15,9 bi