MERCEDES, 76 ANOS DE RECORDE: 432,7 KM/H

Em 1938 o Mercedes W125 já atingia velocidades de matar de inveja os esportivos da atualidade. E mais, há 76 anos esse carro é detentor de um recorde de velocidade em estrada: mais de 430 km/h.
Essa história começou há muito tempo. A ainda jovem Mercedes-Benz via nas competições uma boa maneira para divulgar a marca. Rudolph Caracciola, piloto alemão de sobrenome italiano, que decidiu aos 14 anos ser piloto, e como hoje, ser piloto de automóveis estava ao alcance apenas às classes mais altas.

Rudolf não via aí entrave ao seu sonho. Tirou a carta de motorista antes da idade legal de 18 anos, e seu plano era ser engenheiro mecânico, mas as vitórias nas pistas eram seguidas, e Caracciola firmava-se como um piloto promissor. Em 1923 foi contratado pela Daimler para ser vendedor. Mais adiante, sabendo do interesse da Mercedes em entrar nos GPs. A marca tinha optado por não entrar no GP da Alemanha, cuja primeira prova seria em 1926, e preferiu aguardar pelas corridas na Espanha, mais para o final daquele ano.
EX-VENDEDOR
Para os responsáveis pela Mercedes, traria muito mais retorno a corrida na Espanha, já que a marca queria apostar nas exportações. Caracciola abandonou seu emprego de vendedor e foi para Stuttgart negociar um carro para correr no GP da Alemanha. A Mercedes aceitou, mas com uma condição: ele e outro piloto interessado (Adolf Rosenberger) entrariam na prova como pilotos independentes.

Na manhã de 11 de julho foi dada a largada para o GP da Alemanha, com a presença de 230 mil pessoas. Era a grande chance para Caracciola de dar o salto para o estrelato. O motor do seu Mercedes decidiu falhar enquanto todos voavam -sem cinto de segurança- pelas curvas do circuito AVUS (Automobil-Verkehrs-und Übungsstraße, estrada pública localizada no sudoeste de Berlim). Rudolf ficou parado no grid, e seu mecânico e co-piloto, Eugen Salzer, numa luta contra o tempo, saltou do carro e o mpurrou até ele pegassse. Já havia passadoo quase um minuto quando o Mercedes decidiu funcionar, ao mesmo tempo começava um forte temporal em AVUS.
A tempestade estava levando muitos pilotos a abandonarem a corrida, mas Rudolf avançava sem medo e foi passando um a um, subindo nas zebras e mantendo velocidade média de 135 km/h, o que pelas circunstâncias era rápido, muito rápido. Rosenberger acabaria por se perder no nevoeiro e na chuva, saiu da pista e atropelou três pessoas. Rudolf Caracciola não fazia idéia de qual lugar ocupava, e a vitória apanhou-o de surpresa. Por isso a imprensa o apelidou de “Regenmeister”, o “Mestre da Chuva”.
NAZISMO
Por volta de 1930, a música que dominava os rádios eram o jazz e blues, ao passo que no cinema Walt Disney estreava a Branca de Neve e os Sete Anões. Era também a época da escalada do Nazismo, com Hitler à frente dos destinos da sempre poderosa Alemanha. Na segunda metade de 1930, duas equipas do Grand Prix (que mais tarde, no pós-guerra, evoluiria para Fórmula 1 com o nascimento da FIA) brigavam nas pistas e estradas. O objetivo era ser o mais rápido, vencer. Antes de existir Nürburgring, as corridas eram realizadas em estradas públicas de montanha, sem uso de equipamentos de segurança, e com velocidades perto dos 300 km/h. As vitórias dividiam-se entre Auto Union e Mercedes-Benz.
Acima das duas gigantes estavam dois pilotos que o mundo não pode nunca esqueceu: Bernd Rosemeyer e Rudolf Caracciola. Bernd corria pela Auto Union e Rudolf pela Mercedes, e dividiam pódios atrás de pódios. Eram do mesmo país, mas rivais no asfalto. Nas pistas o desafio era entre um e outro, e fora delas eram manipulados pelo regime político e social focado no domínio de todas as frentes, a qualquer preço.
Bernd Rosemeyer pilotou, entre outros, um Auto Union Type C, modelo revolucionário bastante leve, com um potente 6.0V16 traseiro, pneus estreitos e freios que tinham mais fé do que poder de frenagem. A partir de 1938, com as restrições ao tamanho dos motores motivadas pelo elevado número de acidentes que a falta de restrição de peso tinha causado, o Auto Union Type D, seu sucessor, tinha um mais “modesto” V12.
RIVAIS
Após a subida de Bernd ao estrelato do automobilismo e casamento com a famosa piloto de aviões alemã, Elly Beinhorn, os Rosemeyer eram o casal sensação, ícones do poderio alemão nos automóveis e aviação. Himmler, braço-direito de Hitler, ao perceber tal fama, “convidou” Bernd Rosemeyer a juntar-se à SS, golpe de marketing do comandante que estava montando uma força-paramilitar que chegaria a ter mais de um milhão de homens. Naquela altura, todos os pilotos alemães eram obrigados também a pertencer à Nacional Socialist Motor Corps, organização nazista, mas Bernd nunca correu vestido com qualquer roupa militar.
Caracciola saiu da Mercedes em 1931 depois que a marca abandonou as pistas como consequência da crise econômica mundal. Naquele ano, Rudolf Caracciola tinha se sagrado primeiro piloto estrangeiro a vencer a famosa prova italiana de longa-distância “Mille Miglia”, ao volante de um Mercedes-Benz SSKL de 300 cv. O piloto alemão começou então a correr pela Alfa Romeo. Em 1933 a Alfa abandonou também as pistas e deixou o piloto sem contrato.
O piloto decidiu montar sua própria equipa, e em conjunto com Louis Chiron, que tinha sido despedido da Bugatti, compra dois Alfa Romeo 8C, os primeiros carros da Scuderia C.C (Caracciola-Chiron). No Circuito do Mônaco uma falha de freios jogou o carro de Caracciola contra a parede, e o violento acidente fez com que quebrasse a perna em sete lugares, mas isso não o demoveu da idéia de continuar seu caminho.
AUTO UNION
A Mercedes e a Auto Union –constituída por Audi, DKW, Horch e Wanderer- estavam nos primeiros lugares de todas as listas de recordes de tempos e velocidade da época, muitos deles batidos mais tarde por automóveis bem mais evoluídos. Voltaram às pistas em 1933, com a subida ao poder do Nazismo. A Alemanha não podia ficar para trás em nada, muito menos no automobilismo –uma das paixõe de Hitler- e muito menos perder um piloto alemão para outro país.

Foi um dia de duelos entre estas duas marcas que entrou para a história. Nas pistas, surgiram as Mercedes “Silver Arrows”, as “flechas prateadas” do automobilismo. O apelido foi acidental, provocado pela necessidade de reduzir o peso dos carros de competição, cujo máximo tinha sido fixado nos 750 kg. No dia da pesagem, o novo Mercedes-Benz W25 foi colocado na balança de Nürburgring, e o ponteiro apontava para os 751 kg. O diretor da equipe, o genial Alfred Neubauer e o piloto Manfred von Brauchitsch, decidiram raspar toda a pintura do Mercedes, para reduzir o peso para o máximo permitido. O W25 sem tinta venceu a corrida e nesse dia nasceu a “flecha prateada”. Fora das pistas, outros carros Mercedes derivavam dos modelos de competição. Eram os Rekordwagen, carros preparados para bater recordes.
Em 1938 o ditador alemão exigiu que a Alemanha se tornasse a nação mais rápida do planeta. Todos os olhares foram em direção da Mercedes e Auto Union, e os dois pilotos são colocados a serviço dos mais altos interesses dos nazistas. O recorde mundial de velocidade tinha de pertencer a um alemão ao volante de uma potente máquina alemã.
REKORDWAGEN
A marca dos anéis e a da estrela começaram a trabalhar para preparar os “Rekordwagen” para a quebra do recorde de velocidade em estrada. É bom lebrar que estamosfalando de 1938; os Bugatti Veyron Super Sport e similares são mais rápidos, mas atingiram os mais de 400 km/h em circuito fechado, não numa estrada, e assim mesmo com diferença pequena¨a Bugatti marciu 428,48 km/h, e a Mercedes 432,7 km/h. É certo que o Mercedes não era um carro “normal”, que podia ser usado no dia a dia, mas a verdade é que já se passaram 76 anos…

A principal diferença entre os Rekordwagen e seus correspondentes de GP era o tamanho do motor. Sem as limitações de peso das competições regulares, o Mercedes W125 Rekordwagen tinha um 5.5V12 debaixo do capô, com assustadores 725 cv de potência. Seu desenho, totalmente aerodinâmico, tinha um único propósito: velocidade pura. Já a Auto Union Streamliner tinha motor V16 de 513 cv de potência. A Mercedes marcou seu recorde de velocidade em 28 de janeiro de 1938.
Numa manhã gelada de inverno as duas marcas se deslocaram para a Autobahn. Até hoje no Top 5 de velocidades mais rápidas em estrada estão duas marcas atingidas naquele dia 28 de janeiro. As condições climáticas eram perfeitas para um dia de recorde, e os carros foram para a Autobahn A5, entre Frankfurt e Darmstadt. Era um momento histórico: o “mestre da chuva” e o “cometa prateado” tentavam marcar época.
NA ESTRADA
O Mercedes W125 Rekordwagen e o seu radiador especial –um reservatório de 500 litros de água e gelo– foram para a estrada. Rudolf Caracciola não estava guiando debaixo de chuva, mas sentia que aquele era o seu dia. Rapidamente a notícia percorreu o paddock e logo no início da manhã a equipe Mercedes já festejava o recorde atingido: 432,7 km/h. A Auto Union sabia o que tinha de fazer, e Bernd Rosemeyer não queria decepcionar os alemães e muito menos o Führer. Uma hora depois do feito de Caracciola, foi para a estrada.
Bernd Rosemeyer partiu em direção à reta de um quilómetro, ia bater o recorde de Rudolf, nem que fosse a última coisa que tentasse fazer na vida… Ao longo da estrada, técnicos mediam o tempo e distância percorrida. Dizem os relatórios da época que o Auto Union Type C “voava” na pista, pronto para bater a marca de Rudolf. O clima era frio e mostrava ventos laterais a partir das 11 horas da manhã, o que não recomendava a tentativa. Mas as indicações para não correr foram insuficientes, e às 11:47 o Auto Union se desgovernou a mais de 400 km/h. Dizem os relatos que o V16 da Auto Union voou po quase 100 metros, capotou duas vezes e se arrastou pela Autobahn por mais 150 metros. Bernd Rosemeyer foi encontrado caído no acostamento, morto, sem um único arranhão. Caracciola morreu de cirrose, em 1959.

Depois deste dia, nunca mais nenhuma das duas marcas tentou bater o recorde fixado por Caracciola ao volante do Mercedes. Hoje, esse recorde ainda é celebrado como histórico e até agora não foi quebrado. Mas mais importante que isso, é necessário lembrar os 76 anos da morte de um grande piloto. O Mercedes W125 Rekordwagen pode ser visto no Museu da Mercedes, em Stuttgart.