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MOTO&TÉCNICA: a desaparecida e estranha Killinger & Freund 1938, de tração dianteira

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Aparentemente não há muito o que inventar em termos de motocicletas. Quem diz isso não conheceu a moto alemã Killinger & Freund (K&F), criada em 1935 e exibida em 1938 por um grupo de cinco engenheiros de Munique, onde Killinger e Freund lideravam o trabalho dos outros três. A ideia era projetar uma versão mais simplificada e modificada da motocicleta alemã Megola (1921 a 1925) de tração dianteira, e que trazia um motor radial dentro da roda dianteira. A K&F foi uma obra que levou três anos para ser concluída, e o resultado foi impressionante, não só em termos mecânicos, como também na estética. A capacidade cúbica do motor permaneceu a mesma da Megola -com 600 cm3-, mas era bem muito mais leve (135 kg) e mais simples do que uma moto padrão, de 100 cm3, da época.

por Ricardo Caruso

Inspirados pelo desenho inovador da Megola, que era muito cara e fora do alcance da maioria nos anos 1920, eles iniciaram uma tentativa ambiciosa de construir algo que tinha preço mais amigável, e em uma versão melhorada daquela moto de tração e motor dianteiro antiga. Com foco em três elementos principais que, pelos seus próprios conceitos, eram características que faltavam à Megola, a equipe começou a imaginar um novo produto, refinado, com maior elegância, simplicidade e aerodinâmica.

Este projeto era destinado à produção civil, mas o início da Segunda Guerra Mundial sepultou esses planos. Só se conhece um único exemplar desta moto, descoberto na Alemanha pelo Exército dos Estados Unidos na primavera de 1945, em uma instalação militar abandonada, mas não se sabe se este era o protótipo original ou uma moto já de produção da “Killinger und Freund Motorrad” (seu nome completo, em alemão). Foi levada para os Estados Unidos e vendida como sucata, mas em 2010 surgiram informações de que ela havia sido resgatada e estava guardada com um colecionador. E só. O paradeiro continua desconhecido e nem se tem ideia de quantas foram produzidas, ou se ficou apenas no protótipo.

A moto apresentava motor de três cilindros e dois tempos, que ficava embutido na roda dianteira, junto com a transmissão e embreagem, com suspensão dianteira e traseira mais confortável. A aerodinâmica era importante porque era a primeira prioridade da equipe, pois eles queriam todas as partes móveis recobertas, com proteção contra sujeira e lama, e um estilo elegante. Outras diretrizes eram para que a moto fosse de grande cilindrada e tivesse tração dianteira. Seu desenho realmente chocou.

A primeira impressão que temos da então nova motocicleta era de que se tratava de um modelo de competição, com para-lamas arredondados para as rodas dianteiras e traseiras, garfo aerodinamicamente melhorado, e quadro e tanque de combustível construídos sobre uma estrutura tubular também coberta por chapa metálica. A indústria automotiva na década de 1930 girava em torno do formato arredondado e do desenho moderno -para a época- e elegante, e então as bicicletas e motos entraram no mundo dos streamliners. Um tanto redondo na frente e pontiagudo na traseira, de modo que, quando visto de longe, lembrava um automóvel de corrida, mas de duas rodas. O novo modelo deveria exibir esteticamente algo nunca antes visto nem imaginado, para tornar uma moto altamente atraente, que um dia pudesse ser vendida em grandes quantidades. E assim, nesse sentido, a equipe passou a cuidar com atenção especial do seu visual.

A suspensão traseira estava ligada à extremidade inferior do quadro tubular e apresentava elementos flexíveis de borracha e metal que não necessitavam de manutenção. O guidão era muito parecido com o usado nas motos comuns, mas com mais elementos telescópicos mais verticais do que o normal, o que se traduzia em uma distância entre-eixos que não mudava muito, sempre que o garfo mergulhava. 

A nova tração dianteira foi uma grande melhoria em relação ao antigo projeto da Megola. O peso do motor era menor, e a roda dianteira com motor integrado pesava apenas 50 kg. Além disso, um carburador diferente, sem agulha flutuante, não apresentava os problemas comuns causados ​​pela vibração. E, finalmente, a partida elétrica permitia colocar o motor em funcionamento sem problemas, e por ser um conjunto muito leve, ajudou a manter o peso do motor baixo.

O motor de três cilindros e dois tempos usava a Drehschieber (“válvula rotativa”, um disco giratório, com orifícios de admissão para o tempo exato de admissão da mistura ar/combustível). A mistura era sugada pelo vácuo nas três carcaças do virabrequim, como de costume. O Drehschieber faz o tempo de admissão para todos os três cilindros. O motor não era tipo radial para aeronaves e não havia necessidade de volante de motor. Todas as três bielas funcionavam em uma engrenagem comum. Esta disposição e o recuo dos pistões no sentido de rotação garantiram um equilíbrio perfeito das partes móveis.

Os cilindros eram feitos de ferro KS (Kolbenschmidt) e embutidos na carcaça do motor em liga Silumin (liga de alumínio com silício). As únicas coisas que podiam ser visivelmente identificadas como peças do motor eram os cabeçotes dos cilindros em liga leve, com múltiplas aletas de arrefecimento, e os tubos de escapamento localizados entre os raios da roda dianteira, que era de liga fundida . Esses raios planos foram projetados para servir como um ventilador funcional de arrefecimento. Quando testado, o leve motor proporcionou uma dirigibilidade estável, o que significava melhor segurança para o piloto.

A transmissão, de duas velocidades, foi construída como uma transmissão-diferencial e usava engrenagens com dentes inclinados. A embreagem era feita de discos de embreagem convencionais, localizada na frente da transmissão. A troca de marchas era acionada por cabos de aço operados com o pé. Todas as peças do motor permitiam fácil acesso para trabalhos de manutenção, e. após a remoção do motor –apenas dois parafusos e alguma fiação tinham que ser retirados– todas as peças importantes ficavam ao alcance. A gasolina descia do tanque por meio de mangueiras flexíveis.

O pneu da frente também podia ser removido facilmente. Era preciso desbloquear um mecanismo de segurança e depois retirar completamente o pneu do aro bipartido (muito semelhante ao aro bipartido desenvolvido pela BMW ). O freio dianteiro era instalado no cubo da roda. Para alcançar o equilíbrio perfeito, a equipe também investiu tempo e trabalho no banco do piloto e na suspensão traseira. Amortecedores telescópicos cheios de óleo foram ligados à extremidade inferior da estrutura do suporte do banco e uma tampa permitia fácil acesso ao assento. Assim, quem fosse andar nesta moto podia facilmente alterar as configurações da suspensão do assento, de acordo com sua preferência, ajustando a dureza. 

Então, depois de três anos de muito trabalho, em 1938 tudo estava pronto e primeiro protótipo entrou em ação. O grupo decidiu realizar alguns testes de campo e de bancada, sempre necessários. Após as avaliações, a motocicleta Killinger und Freund apresentou resultados notáveis. A tração dianteira era muito melhor que a aplicada na Megola. Mas veio a Segunda Guerra, e acabou com o sonho dos cinco engenheiros…


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