Pininfarina, brigas e plástico na carroceria: a criação da Chevrolet Lumina APV
Recentemente, AUTO&TÉCNICA recontou a história da minivan Chevrolet Lumina APV e suas “irmãs” Oldsmobile Silhouette e Pontiac Trans Sport (veja aqui). Pelo fato de ser um modelo revolucionário em sua época, é interessante irmos mais fundo na sua história, contando como ela foi criada. O Chevrolet Lumina APV (sigla para All Purpose Vehicle, veículo para toda aplicação) de 1989 era um modelo com desenho decididamente futurista e de conceitos avançados, algo surpreendente dentro do eterno conservadorismo da General Motors.
Com seu ângulo de para-brisa dianteiro e capô extraordinariamente mínimo, compartimento de passageiros generoso, teto escurecido e painéis de carroceria de plástico moldado por injeção, ele parecia mais uma ideia para algum filme de ficção científica dos anos 1980 do que um produto da GM para chegar às ruas na época. Mas se você acha que sua aparência é quase surreal, a história de sua criação é ainda mais maluca, envolvendo brigas internas na GM, carros-conceito criativos e o envolvimento da italiana Pininfarina.
por Ricardo Caruso

Em meados dos anos 1970, a General Motors enfrentou uma espécie de “acerto de contas” com a vida. A empresa, que durante anos fez lobby agressivo contra novos padrões de segurança, emissões e economia de combustível (para economizar e lucrar mais), enfrentou a promulgação de regulamentações federais americanas significativas em todas essas frentes. Além disso, veículos acessíveis, divertidos de dirigir, econômicos e confiáveis estavam sendo importados em quantidades cada vez maiores do Japão e da Europa, consumindo participação de mercado. E a GM estava aplicando remendos feios e mal projetadas em seus veículos velhos e igualmente feios e mal projetados. Uma nova maneira de criar carros era mais do que necessária.
O desenhista Dick Ruzzin, sinalizando aprovação de uma perspectiva aérea da nova minivan.
O programa “Total Automotive Systems Concept” (TASC) foi criado na GM para auxiliar neste processo. “O TASC foi criado pela GM Design e era essencialmente um sistema de menu de desenvolvimento automotivo estratégico”, disse Dick Ruzzin, ex-funcionário da GM Design que liderou o desenho avançado para a Chevrolet durante aquele período, antes de passar para cargos como diretor de desenho da Cadillac e da GM Europa. O programa incluía três sedãs diferentes com tração dianteira e carros esportivos, todos originalmente programados para receber motores rotativos, antes que os motores a gasolina de quatro e seis cilindros fossem substituídos. Mas havia uma outra categoria que a corporação estava investigando: a das minivans.
A GM considerou construir uma minivan junto com os carros da plataforma X, mas acabou desistindo.
“Naquela época, as vendas potenciais de uma minivan estavam bem documentadas”, explicou Ruzzin. No entanto, pela primeira vez em sua história, a GM havia feito empréstimos pesados de dinheiro para financiar o desenvolvimento de alguns desses carros TASC (especificamente os X Cars, como Chevrolet Citation, Pontiac Phoenix, Oldsmobile Omega e Buick Skylark). E a diretoria não tinha certeza se a eficiência de combustível ou as plataformas FWD (de tração dianteira) manteriam a popularidade junto ao consumidor. “Consequentemente, embora uma minivan fosse obviamente uma oportunidade fantástica, eles teriam que pegar emprestado mais uma quantia substancial de dinheiro”, disse. E a GM decidiu não construir a minivan.
A Chrysler se beneficiou muito dessa desistência da GM quando lançou suas minivans de sucesso com tração dianteira, baseadas em carros K , a Plymouth Voyager e a Dodge Caravan, em meados dos anos 1980. Tentando recuperar o atraso em um mercado claramente em expansão, a GM se contentou com minivans curtas tradicionais e RWD (de tração traseira), as Chevy Astro e GMC Safari, mas elas não ofereciam realmente o que os consumidores queriam nesse segmento. Então a Chevrolet correu e enfim assumiu o projeto da minivan do projeto TASC.
Um dos primeiros esboços do projeto APV.
Ruzzin recebeu a incumbência de criar o modelo, junto com seu trabalho no Lumina Sedan, bem como no que se tornaria ainda o sedã e wagon Caprice “Shamu” de 1991. O desenhista Leif Chapman criou um esboço rápido e Ruzzin o usou como tema do projeto, que foi aprovado muito rapidamente, e assim o trabalho começou. Mas, eventualmente, os desenhistas da Pontiac ficaram sabendo do Lumina APV e sua aparência extravagante, e não gostaram. A Pontiac havia convencido a diretoria da GM de que ela deveria ser a líder de desenho dentro da corporação e não digeriu a ideia de que a Chevrolet estava assumindo esse papel.
A equipe de desenho do Lumina APV, com o veículo preliminar.
A Pontiac já estava programada para receber uma versão do Lumina projetado com seu emblema e características visuais. Mas, de acordo com Ruzzin, para serem vistos como líderes de desenho, “eles negociaram o primeiro lançamento do produto”, o que significa que a minivan Pontiac sairia antes da Chevrolet. E então eles fizeram algo ainda mais estranho. Criaram um carro-conceito, o Pontiac Trans Sport em 1986, com portas “asa de gaivota” e inspirado em helicópteros, para ser visto como a inspiração para o APV”, prosseguiu Ruzzin. “Eles fizeram um show car depois que o Lumina APV foi projetado e lançado para produção, internamente. E eles o mostraram nos Salões de automóveis no ano anterior ao lançamento do APV, para fixar na mente das pessoas que eles eram líderes de desenho da empresa”.
O conceito Trans Sport surgiu depois que o desenho do Lumina APV estava definido, para criar a percepção pública de que a Pontiac era líder de desenho da GM.
Uma coisa sobre a qual a equipe de Ruzzin não tinha controle era a decisão de construir suas minivans usando uma estrutura de metal os painéis da carroceria em plástico moldado por injeção. “O desenho não fazia parte da decisão de usar material compósito. Foi inteiramente uma decisão de engenharia e fabricação da Chevrolet”, ele diz. Ele não aprovou. “Na minha opinião, foi uma decisão ruim, porque o resultado disso foi que a Chevrolet não atingiu a meta de peso, não atingiu a meta de economia de combustível e não atingiu a meta de preço”.
A ilustração em raio-x mostra a estrutura de aço e os painéis plásticos da carroceria do Lumina APV.
Um dos principais problemas no uso do plástico era levar em conta sua propensão a dilatar em situações de climas quentes, como no Oeste e Sul dos Estados Unidos, ou no México e Brasil. “Ele se expandiria muito. Então, consequentemente, você tinha que ter grandes vãos de painel para acomodar os painéis da carroceria”, disse Ruzzin. “Os carros importados pareciam instrumentos de precisão, e os carros da GM tinham esses vãos enormes, o que não era bom”. A coloração dos painéis também tendia a desbotar, e de forma irregular.
O Lumina APV de 1990 no Salão de Detroit.
Como as montadoras americanas estavam lançando muitos produtos novos durante esse período, havia capacidade limitada para alguma assistência de engenharia e fabricação. Quando a GM precisou de ajuda com as ferramentas para esses novos veículos, ela recorreu a um parceiro com o qual havia trabalhado na produção do contemporâneo Cadillac Allante, a italiana Pininfarina.


A empresa auxiliou na verificação de dados de superfície e componentes de fresagem usados para criar as ferramentas necessárias para esses veículos. Mas, ao contrário de alguns rumores, a Pininfarina -especificamente o neto do fundador da empresa, Paolo Pininfarina- aparentemente não estavam envolvidos com a aparência das minivans da GM. De acordo com Ruzzin, “o envolvimento deles estava completamente fora do departamento de desenho”. Um porta-voz da Pininfarina, Francesco Fiordelisi, disse tempos depois: “O sr. Pininfarina prefere não comentar sobre este projeto, pois era confidencial naquela época”.
Um facelift em 1995 mudou o ângulo do pára-brisa, cortou drasticamente o balanço frontal e reduziu o visual “Dustbuster”.
O Lumina APV/Pontiac Trans Sport/Olds Silhouette foi vendido em uma única geração dos anos modelo de 1990 a 1996. O modelo disputou mercado com Dodge Grand Caravan/Plymouth Grand Voyager, o Ford Aerostar de carroceria longa e Mazda MPV. Introduzido um ano antes das minivans Chrysler de segunda geração , o Lumina APV foi a primeira minivan do mercado americano a adotar o formato monovolume do Dodge Caravan e do Plymouth Voyager. Embora fabricado em uma plataforma exclusiva para o modelo )a GMT 199, ou U), o Lumina APV tinha tração dianteira, derivando seu powertrain dos sedãs da GM.

Em seu lançamento em 1990, o Lumina APV era equipado com motor 3.1V6 de 120 cv; a transmissão automática de três velocidades era a única oferecida. Em 1992, o 3.8V6 de 170 cv tornou-se opcional, introduzindo a possibilidade de transmissão automática de quatro velocidades. Em 1996, ambos os motores foram substituídos pelo 3.4V6 de 180 cv; a transmissão automática de três velocidades saiu de linha. Em termos de tamanho, o Lumina APV ficou encaixado entre o Chevrolet Astro e o Chevrolet Van.
Durante sua produção, o Lumina APV e seus equivalentes Pontiac e Oldsmobile foram montados na unidade de North Tarrytown, tornando-se os veículos finais produzidos lá antes de seu fechamento. Em 1997, a Chevrolet adotou uma nova plaqueta de identificação para sua minivan de tração dianteira, substituindo o Lumina APV pelo nome Chevrolet Venture. Foi vendido na China e em Portugal, e algumas unidades chegaram ao Brasil, trazidas por importadores independentes. A GM Brasil trouxe uma, que era usada pelo seu então presidente Rick Wagoner; chegamos a rodar um final de semana com esse carro.
O desenho da minivan foi uma grande sensação entre o público e ganhou elogios. O para-brisas em ângulo acentuado e o formato geral em cunha também renderam o apelido de “Dustbuster” (aspirador de pó). Mas tudo nela desafiava as convenções. Os concorrentes prestaram atenção nessas minivans, embora talvez não da maneira que era pretendido pela GM. “Eu era presidente da Chrysler na época, e assistimos ao lançamento desses ‘supositórios’ com fascinação mórbida, imaginando se eles prejudicariam nossas vendas de minivans“, disse o então chefão da Chrysler, o lendário Bob Lutz. “Eles não nos prejudicaram”…