Se meu Fusca voasse…
O incrível Fusca com motor V8 de Paul Newman
Paul Newman foi uma figura icônica, não apenas no mundo do cinema, mas também nas pistas de corrida. Sua paixão por atuação e automobilismo criou um legado duradouro que continua a inspirar tanto os fãs das telas quanto os entusiastas do automobilismo.
por Rubens Caruso Junior, imagens oldbug.com

CARREIRA NO CINEMA
Paul Newman nasceu em 26 de janeiro de 1925, em Shaker Heights, Ohio, nos Estados Unidos. Começou sua carreira de ator nos anos 1950, após ter servido na Marinha americana durante a Segunda Guerra Mundial, e rapidamente se destacou por seu talento e carisma. Newman estrelou em uma série de filmes clássicos que o tornaram uma das maiores lendas de Hollywood. Entre seus filmes mais memoráveis estão “Butch Cassidy and the Sundance Kid” (1969) e “Golpe de Mestre” (1973).

Ao longo de sua carreira, Newman recebeu inúmeros prêmios, incluindo um Oscar de Melhor Ator por sua performance em “A Cor do Dinheiro” (1986). Além de seu talento nas telas, Newman era conhecido por seus belos olhos azuis e sua presença magnética, que cativaram audiências ao redor do mundo e o elevaram ao status de “símbolo sexual”.

PAIXÃO PELO AUTOMOBILISMO
O apreço de Paul Newman por carros e corridas começou nos anos 1960, quando ele se envolveu no automobilismo como parte de seu treinamento para o filme “Winning” (confira um trailer aqui) que no Brasil recebeu o título de “500 Milhas”, de 1969. As aulas de pilotagem ficaram a cargo do também lendário Bob Bondurant, que ainda treinou o ator Robert Wagner para o mesmo filme.
Newman rapidamente se apaixonou pelo esporte e passou a competir em corridas profissionais, participando de várias categorias, incluindo a Trans-Am e a IMSA GT Championship.

Em 1979, ele alcançou um marco significativo em sua carreira de piloto, ao terminar em segundo lugar na famosa “24 Horas de Le Mans”, pilotando um Porsche 935 (veja o carro aqui).

Anos mais tarde, Paul Newman associou-se ao ex-piloto Carl Haas, criando uma equipe de Fórmula Indy, a Newman-Haas em 1983, com Mario Andretti como piloto do time. Desde então, conquistaram 108 poles e venceram 105 corridas na Fórmula Indy/Champ Car, tendo vencido campeonatos em 1984 com Mario Andretti, 1991 com Michael Andretti, 1993 com o estreante Nigel Mansell, 2002 com o brasileiro Cristiano da Matta e os últimos quatro títulos da Champ Car, nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 com o tetracampeão Sébastien Bourdais. Christian Fittipaldi e Roberto Pupo Moreno foram outros nomes importantes nos cockpits da equipe.

Sua dedicação e habilidade ao volante lhe renderam respeito e admiração tanto dentro quanto fora das pistas.

O INCRÍVEL FUSCA COM MOTOR V8
Uma das mais fascinantes passagens da vida automobilística de Paul Newman foi a criação de seu legendário Fusca com motor V8. Este carro, apelidado de “The Volkswagen from Hell” (“O Volkswagen do Inferno”), ou ainda “Indy Bug”, em alusão aos carros de Indianápolis, era uma verdadeira obra de arte da engenharia automotiva.

Newman, com a ajuda de seu amigo e engenheiro Jerry Eisert, transformou um simples Fusca em uma máquina de alta performance, equipando-o com um motor V8 de quase 6,0 litros. O carro foi modificado extensivamente para acomodar o motor potente, incluindo ajustes no chassi, suspensão e sistema de transmissão. O resultado foi um Fusca que podia competir com carros esportivos de alto desempenho, surpreendendo muitos nas pistas de corrida ou nas ruas e estradas, como um autêntico “sleeper”.

A história começa quando Newman compra um Fusca 1963 conversível -original, exótico naquela época, raríssimo hoje, seis década depois. Newman e o Fusca chegaram a aparecer em anúncios da VW.

A criação deste carro não apenas demonstrou a paixão de Newman por automobilismo, mas também sua criatividade e habilidade técnica. O VW Beetle com motor V8 de Newman se tornou uma lenda entre os entusiastas de carros e um testemunho de sua dedicação ao esporte.




MECÂNICA DIFERENCIADA
Os detalhes do carro são impressionantes, sem exceção. Começando pelo mais importante, o motor: a escolha para “apimentar” o Fusca poderia ter sido um motor de Porsche, colocado no lugar do motor original de 1.200 cm3, mas isso não teria sido suficiente para o carro entrar para a história -mesmo tendo sido um autêntico “carro de Paul Newman”, um pedigree com poucos precedentes.

Jerry Eisert ousou, e ousou muito: o renomado construtor de carros de corrida partiu para um motor Ford 351V8 (não, não é heresia colocar um motor Ford num VW quando estamos falando de Paul Newman), com nada menos que 300 cv de potência. Sem nos atermos a muitas contas como o peso do motor VW que saiu diante do motor Ford que entrou, num exercício simples, arredondando o peso do Fusca para 800 kg, teríamos uma relação peso/potência de 2,7 kg/cv, ou seja, cada cv “leva” pouco menos de 3 kg. Se é um número impressionante nos dias de hoje, imagine há mais de meio século.

Basicamente era um motor “stock”, original, com coletores de escapamento originais e um carburador quadrijet, por exemplo. Mas como colocar um motor V8 num Fusca, de forma que a ideia não sacrificasse demasiadamente o equilíbrio do carro -muito peso na frente ou muito peso na traseira? Genial: colocar o motor “entre-eixos”; no lugar do banco traseiro foi instalado o novo motor, “aberto” mesmo, apenas com uma cobertura que, de verdade, lembra até a de alguns antigos ônibus urbanos brasileiros. Dá para imaginar a “orquestra” tocando logo ali atrás, nas costas, e o bafo quente do motor -felizmente era um conversível, o que talvez aliviasse um pouco a vida dos dois privilegiados que poderiam andar no Fusca.

Para aguentar os desaforos do motor, foi instalada uma caixa de câmbio (transeixo) ZF de cinco marchas que, segundo consta, teria vindo de um Ford GT40, usando os mesmos semi-eixos Spicer dos Fórmula Indy da época. A embreagem Borg&Beck também seguia o padrão da Indy, bem como o volante do motor Schiefer, de alumínio.


Outra dificuldade típica desse tipo de projeto é o arrefecimento: Eisert montou um radiador de Corvette na dianteira do Fusca, onde antes ficava o estepe, com aberturas na extremidade do capô e um bem fabricado captador de ar, feito de alumínio. No local onde ficava o motor VW original foram montados dois radiadores extras, herdados de um Lotus 30, captando ar frio das aletas originais da tampa do motor.

A suspensão dianteira tem duplos braços A e coilovers. Na traseira, um conjunto de braços arrastados herdados de um Chevrolet Corvair, aprimorado também com braços tipo “A”. Do Corvair também vieram os freios, a tambor nas quatro rodas. Um sub-chassi foi construído no chassi tubular (que manteve o entre-eixos original do Fusca), para acoplar o powertrain ao carro.

No interior, destaque -claro- para o enorme V8 “sentado” onde antes havia o banco traseiro: com a cobertura até que fica discreto, pelo menos aos olhares menos curiosos; aberto, é um eterno cair de queixos. Os bancos dianteiros são do tipo “concha”; o painel permanece original porém com um novo conta-giros e alguns instrumentos extras; o velocímetro marca até 90 milhas por hora, insuficiente para a nova motorização. Até o antigo rádio ainda está lá, e desde sempre sem o botão central.



Discretos “rodapés” nas laterais, nas aberturas das portas, na verdade fazem parte do reforço estrutural que o projeto exigiu, para conferir maior rigidez torcional ao carro. Por fim, uma barra que funciona como “santantônio”, que desaparece quando o Fusca está com a capota erguida.
LEGADO
Paul Newman deixou um legado incrível tanto no cinema quanto no automobilismo. Sua carreira de ator foi marcada por atuações inesquecíveis e prêmios prestigiosos, enquanto suas conquistas no automobilismo mostraram sua paixão e talento fora das telas. O Fusca com motor V8 é apenas um exemplo de sua dedicação e inovação no mundo dos carros.

para uma pequena “atualização mecânica”. O resultado foi um dos Volkswagen mais insano e legendário de todos os tempos: o Newman “Indy VW”.
Além de suas realizações profissionais, Newman também foi conhecido por seu trabalho filantrópico, co-fundando a Newman’s Own, uma linha de alimentos cujos lucros são até hoje doados para caridade. Ele também fundou a Hole in the Wall Gang Camp, um acampamento para crianças com doenças graves. O ator piloto -ou piloto ator- faleceu em 26 de setembro de 2008.

Paul Newman continua a ser lembrado como um dos grandes ícones do século XX, cuja influência se estende muito além das telas de cinema e das pistas de corrida. Seu espírito aventureiro e sua paixão por excelência permanecem inspiradores para gerações futuras.

Quanto ao Fusca V8, depois de algum tempo Paul Newman cedeu à constante pressão que vinha de seus empresários e advogados, e doou o carro a uma faculdade: Sam Contino, chefe do departamento de tecnologia automotiva do Chaffey College, recebeu o carro em nome da instituição. Lá o carro passou por algumas modificações, como a pintura vermelha e branca -cores da escola- e novas rodas. Em 1986 Contino se aposentou e recebeu o Fusca V8 de presente da escola e, em 2009, concluiu, junto com o filho a restauração do carro -a ideia era mostrar o carro a Newman, mas o ator-piloto faleceu pouco antes do final do trabalho.

Há alguns anos esteve a venda em um leilão, com a pedida de US$ 250 mil e foi vendido rapidamente, valor mais do que justo pela história e pelo conjunto da obra. Afinal, o nome Paul Newman agrega muito valor a tudo.
