Blog dos Caruso

Shurastey, Jesse e Dodongo, dizer o quê?

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Quem nunca sonhou em pegar um Fusca, seu cachorro e sair rodando pelo mundo? Jesse Kozechen, o aventureiro Jesse Koz (sim, aventureiro, me recuso a rotulá-lo de blogueiro, para não colocá-lo num patamar onde, com raras exceções, reina a ignorância) sonhou este sonho. E melhor, ele realizou. Segundo Jesse, “a vida é mais do que ficar só esperando”. E foi para a estrada a cinco anos atrás. Não sozinho, mas acompanhado de milhares e milhares de pessoas -inclusive eu- que seguiam à distância o dia a dia de uma viagem que começou em Santa Catarina, foi e voltou ao sul do continente, e que um dia acabaria no Alasca, ponto final deste primeiro sonho, que seria seguido por outros sonhos. Pensava: “o que será do Jesse se acontecer algo com o seu inseparável amigo”?

Por Ricardo Caruso

Sim, o melhor amigo que alguém poderia ter. Além da viagem em si, a estrela da aventura era um maravilhoso, simpático e dócil cão golden retriver, o Shurastey. Jesse era o Shuraigow, uma brincadeira com a música ” Should I Stay, Should I Go”, do Clash. Me impressionava e emocionava a união dos dois em qualquer situação e em qualquer momento da viagem. Uma lição de amor, de carinho, de diversão e de respeito entre eles.

Para mim, o Shurastey parecia ser o cãozinho mais feliz do mundo. Não tinha tempo ruim para eles. Jesse sempre se referia nos relatos a “nós”, e nunca a “eu”. “Tudo que vivemos juntos nos últimos anos é baseado em amor, dedicação, respeito e confiança. Antes de ser companhia, o Shurastey é meu companheiro de vida”, disse recentemente. Mais que amigos, verdadeiras almas irmãs, inseparáveis. Na sua inocência de eterna criança, Shurastey não tinha ideia da importância e do bem que trouxe para a vida de seu tutor. E assim saíram pelo mundo, a bordo de um veterano Fusquinha 1978.

Perrengues, dificuldades, calor, frio, problemas mecânicos, acidentes leves, conforto, desconforto, grana curta, lugares terríveis, cenários inesquecíveis… Mas foram em frente por mais de 80.000 km, para lá e para cá, passando por 17 países. Sempre acompanhados pelas redes sociais. Para ajudar nas despesas, vendiam adesivos e lembrancinhas (www.shurastey.com). Estavam a apenas dois dias de chegar no Alasca, dia 23 de maio passado.e encerrar a longa viagem. O sonho de Jesse era partir depois para outra aventura, numa van, para ter mais conforto e segurança para ele e Shurastey.

Por volta das 10,30 hs da manhã, aconteceu o que ninguém imaginava. A dinâmica do acidente foi a seguinte. Nos Estados Unidos, se você vem em uma estrada e quer virar numa outra estrada, perpendicular à esquerda, não precisa parar no acostamento. Simplesmente se para o carro sobre a pista, aguarda o melhor momento, e entra. Foi o que aconteceu. Talvez em um segundo de distração, ou pelos freios do Fusca não serem suficientes, Jesse encontrou um carro -ou uma fila deles- parado sobre a pista, para entrar à esquerda. O reflexo fez ele desviar para a contra-mão, mas havia um SUV em sentido contrário. Foi uma batida cruel, covarde, sem defesa. Eu mesmo, há alguns anos, escapei de um acidente quase igual, ao desviar para a contra-mão para escapar de um carro parado sobre a via, debaixo de muita chuva. Minha sorte é que não vinha ninguém em sentido contrário.

Um veículo moderno numa batida “off-set” (de “quina”) contra um carro projetado nos anos 1930. O Fusca praticamente se desfez. Na hora, Jesse (29 anos), seu inseparável Shurastey (6 anos) e o Fusca Dodongo (44 anos), se foram. O Fusquinha vai terminar sua história abandonado em algum ferro-velho, pois não há sentido em trazer o que sobrou dele para cá, além de ser algo muito caro. Shurastey e Jesse deixaram essa vida juntos, na hora, sem dor ou sofrimento. Juntos, como passaram boa parte da vida de Shuraigow e toda a vida do cãozinho. Um não existiria mais sem o outro, e não seria suportável ou justa a separação.

Foi uma história muito bonita. Confesso que essa tragédia me chocou profundamente, mais do que eu poderia imaginar. No meio a tanto desrespeito com os animais que presenciamos todos os dias, o amor dos dois, muito grande e emocionante, claro em todas as imagens e relatos, me animava sempre, sinalizando que há esperança. Gosto tanto de cachorros (temos nove em casa, fora os gatos), de Fusca e de sonhar com aventuras que não terei tempo para realizar, que me via representado pelo trio. Aquela pontinha de inveja saudável, feliz por eles.

Estavam a apenas dois dias de completar o sonho, só dois dias, depois de cinco anos de estrada. Espero, do fundo do coração, que estejam amparados e juntos, num plano onde poderão experimentar outras sensações. Na minha religião, o espiritismo, isso é possível e conheci alguns histórias de conhecidos que faleceram com seus animais, e acordaram juntos na luz. Agora estão unidos por todo o sempre, prontos para aventuras sem limites.

Sou um chorão confesso, e reconheço que isso piorou com o passar do tempo. Choro até em anúncio de margarina. Chorei muito, fiquei bastante sentido, mas agradeço aos dois pelas lições de vida. de amor, de carinho, de companheirismo e de fidelidade que deixaram. Nunca vamos esquecer do Shurastey e do Shuraigow. Vou sentir saudades e não sei até quando sentirei essa tristeza. Que Deus e os espíritos de luz acompanhem os dois nessa próxima etapa.

Se esse Fusca -o Dodongo- falasse, quantas e quantas histórias teria para contar…

A última postagem do trio.

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