Para os fãs de motores a diesel, a marca “Cummins” é sinônimo de respeito e tem sido o primeiro nome lembrado quando o assunto é esse tipo de combustível, e isso por décadas. Desde sua fundação há mais de um 100 anos, para a Cummins o diesel era o centro dos negócios. Mas agora, a empresa fez algo estranho. Acabou de anunciar seu primeiro motor a gasolina. Se isso é realmente estranho, a Cummins ainda explicou que seu novo motor -batizado de B6.7 Octane- é baseado no legendário motor a diesel de 6,7 litros. E tudo isso é realmente muito inteligente.

por Marcos Cesar Silva

O motor diesel moderno é uma maravilha mecânica. Hoje em dia, você pode comprar picapes com motores excelentes, de alta potência, para rebocar qualquer coisa. E esses mesmos motores também podem retornar ao uso normal e permitir economia de combustível para a faixa de 10 km/litro, mesmo que aplicados em caminhões com o peso de uma casa.

Mas o diesel moderno também perdeu sua vantagem. Comprar um veículo a diesel costumava significar economizar dinheiro na hora de reabastecer e ter um motor muito durável. No entanto, o combustível diesel agora é mais caro do que a gasolina em muitos mercados, inclusive no Brasil. Junte isso aos custos mais altos de manutenção de recursos modernos de emissões, e os motores a diesel estão fazendo menos sentido a cada ano que passa. Sem contar o assédio dos veículos elétricos.

A Califórnia e outros Estados americanos também estão pisando no freio do diesel, com regulamentações rígidas de emissões. Apesar de tudo isso, a energia a diesel ainda tem a base sólida de várias indústrias. Os enormes motores a diesel que alimentam locomotivas, grandes geradores, equipamentos de construção e caminhões rodoviários continuam reinando em seus segmentos. O diesel também ainda tem seu lugar em picapes pesadas.

Mas, e se você pudesse ter o melhor dos dois mundos? E se você pudesse ter um motor com manutenção mais fácil e menos necessidade de equipamentos de controle emissões, que acompanham o consumo de gasolina, ao mesmo tempo em que oferece a durabilidade e a potência de um diesel? É mais ou menos isso que a Cummins está lançando com seus novos motores a gasolina B6.7 Octane. Ao começar tendo como base um motor a diesel e adaptá-la à gasolina, a Cummins acredita ter criado o melhor exemplo dos dois mundos que citamos.

O B6.7 Octane tem muito a seu favor na teoria. Ele funciona com gasolina de 87 octanas e tem o potencial de dar nova vida à combustão interna em veículos comerciais. O B6.7 Octane surge ainda como uma solução potencial para as regulamentações da Califórnia, que podem prejudicar as vendas, por exemplo, de motor homes a diesel ainda este ano. Muitos desses modelos poderiam ter motor a gasolina Cummins!

É incrível que a Cummins, fundada em 1919, tenha passado tanto tempo sem fazer um único motor a gasolina de série. A história da Cummins está repleta de grandes feitos a diesel e até mesmo alguns combustíveis alternativos, como propano e gás natural, mas pode ser chocante ler que a empresa agora está produzindo motores a gasolina, algo pelo qual não é nem um pouco conhecida.

Em 2022, a Cummins lançou o que chamou de estratégia de motor “agnóstico em combustível”. O objetivo dessa estratégia da Cummins era criar uma ponte entre os motores “pesados” ​​a diesel de hoje e os motores elétricos “pesados” ​​de amanhã. A empresa reconhece que a energia elétrica ainda não está pronta para substituir o diesel, então, até que a tecnologia elétrica e de bateria chegue a esse ponto, a Cummins quer oferecer outras maneiras de reduzir emissões e custos operacionais em tudo, desde ônibus escolares a caminhões rodoviários.

A Cummins vê a estratégia de combustível funcionando para uma variedade de usos, desde motores de picapes Ram até os grandalhões aplicados em caminhões pesados e motor homes. Em 2022, esperava-se que o primeiro motor da Cummins baseado nessa nova arquitetura fosse feito a partir do diesel B6.7 encontrado em picapes Ram e caminhões médios. No entanto, a Cummins também queria aplicar a nova tecnologia aos motores da Série L e Série X, usados ​​em equipamentos maiores. O objetivo é que, quando um cliente encomendar um caminhão com motor Cummins, ele tenha a opção de diesel, gás natural, hidrogênio, propano ou gasolina. Para deixar claro, esses não são motores multi-combustíveis; depois que você escolhe seu motor, ele funciona apenas com o combustível que você determinou. Em 2024, a Cummins renomeou este projeto para “Maior eficiência, menores emissões e múltiplos combustíveis”, ou HELM, e ele tem os mesmos objetivos do desenvolvimento do motor, independente de combustível.

Como funciona é bem interessante. Para criar a nova arquitetura, a Cummins começou com bases existentes. A Cummins diz que os componentes abaixo dos cabeçotes dos motores básicos devem ser semelhantes em toda a linha. Em outras palavras, os componentes abaixo do cabeçote do B6.7 Octane devem ser muito semelhantes ao que você encontra no B6.7 diesel de seis cilindros em linha que aciona centenas de milhares de caminhões mundo afora.

A compatibilidade de peças é apresentada não apenas como uma forma da Cummins tornar uma variedade de motores mais fáceis de produzir, mas também para que os operadores de frotas tenham mais facilidade nas manutenções. Em teoria, um B6.7 Octane pode ter muitas peças comuns ou semelhantes a um B6.7 diesel, pelo menos abaixo do cabeçote. A empresa também vê o B6.7 Octane como tendo intervalos de serviço semelhantes aos do diesel e economizando dinheiro adicional para as frotas, pois elas não terão que reequipar os departamentos de serviço.

A Cummins é discreta sobre as mudanças exatas necessárias para fazer a plataforma B6.7 funcionar a gasolina, mas até agora diz que a maioria das mudanças está mesmo no cabeçote. Por enquanto, a Cummins realmente quer que você saiba o quão grande é o negócio do motor e publicou o material abaixo para as versões a gás e propano do B6.7:

A empresa vai além e diz que este é o único motor a gasolina especialmente desenvolvido para o mercado de caminhões de médio porte, e que ele obtém até 10% mais economia de combustível do que outros motores a gasolina em caminhões de mesmo compromisso. A maior vantagem, diz a Cummins, estará na manutenção. O B6.7 Octane tem catalisadores passivos para controles de emissões, e explica que esse novo motor deve exigir apenas o tipo de manutenção esperado para um motor a gasolina em uma picape.

Este motor também deve funcionar um pouco como um diesel, pelo menos na entrega de potência e torque. A Cummins está atualmente citando uma classificação máxima de potência de 300 cv com torque máximo fixado em 91 mkgf. Os loucos por motores de caminhão podem achar esses números interessantes. A classificação de potência é bem menor do que os 430 cv disponíveis no Ford Godzilla 7.3V8, mas o torque no Cummins é melhor do que os 65,6 mkgf do Godzilla. Novamente, isso é intencional. Como um motor diesel comum, o Cummins de seis cilindros deve gerar substancialmente mais torque.

A Cummins também diz que vem testando outras faixas de potência, incluindo 200 cv e 83 mkgf de torque, e 220 cv e 260 cv, ambos com 83 mkgf de torque. No entanto, a empresa diz que, além dos números de potência máxima, as características exatas ainda não foram determinadas. A Cummins diz que também está mantendo as mesmas transmissões encontradas em conjunto com os 6.7 diesel de serviço médio, principalmente os câmbios Allison 2000 e 3000.

A empresa espera colocar esses motores em picapes, ônibus escolares, vans, veículos de entrega e caminhões de serviço. Por enquanto, o cliente de lançamento é a Kenworth, e a fabricante de caminhões diz que colocará esses motores em trucks convencionais a partir de algum momento no final deste ano. 

Dito isso, provavelmente muitos não esperavam que o conhecido motor diesel 6.7 de seis cilindros em linha continuasse por muito tempo. A própria Cummins reconhece que os motores de combustão interna podem estar sobrevivendo além de seu tempo. Alguns podem traçar paralelos com a década de 1970, quando a General Motors usou seu motor a gás para criar motores a diesel. Mas essa não é a única vez em que uma arquitetura existente funcionando com uma fonte de combustível foi convertida em outra. A Kawasaki tem construído protótipos de motores a hidrogênio a partir do motor H2, de motocicleta a gasolina.

Também não é a primeira vez que um motor Cummins a diesel é transformado em motor a gasolina. Na década de 1960, a White Motor Company estava convencida de que os motores a gasolina eram o futuro, não os a diesel. Em resposta, a empresa pegou motores a diesel Cummins de 500 pol3 e os converteu para gasolina. O “Giesel” e o Mustang VIII, da White Trucks, como eram chamados, supostamente usavam pistões de compressão mais baixa e velas de ignição onde os injetores de diesel costumavam ficar. A Cummins está tecnicamente correta quando chama o B6.7 de seu primeiro motor a gasolina. Afinal, foi a White que converteu os motores Cummins para gasolina, e não ela própria.

Até agora, a Cummins não fez nenhuma previsão sobre o futuro de onde esse motor pode acabar sendo usado. A empresa imaginou que poderia colocar os 6.7 a gasolina em picapes, mas não há nenhum anúncio oficial sobre isso no momento. Mas se isso der certo, será interessante observar onde poderemos ver esses motores ex-diesel em ação.