Santo Graal: e no fundo de um celeiro, estava o Toyota mais antigo do mundo…
Quantos amigos você já conheceu que não podem falar sobre seu primeiro carro por mais de um minuto sem ficar melancólico, com lágrimas nos olhos e proferir a seguinte frase: “cara, se eu pudesse colocar minhas mãos naquele carro de novo”… Se você acha que sonhar em ter de volta seu primeiro carro é muito sofrimento, imagine ser a maior montadora que existe hoje e ter a história de seus primeiros dias perdida no passado? Enquanto todos com interesse em carros conhecem as histórias de origem de empresas como GM, Ford, Volkswagen, Porsche, Fiat e Mercedes, entre tantas outras, os primeiros dias da Toyota são praticamente desconhecidos, porque deles pouca coisa sobreviveu.
por Ricardo Caruso
A origem da Toyota é bem diferente da Mercedes ou Ford se tentasse ou muitas outras. Começou a construir teares para empresas têxteis, mas com a bênção do fundador da empresa Sakichi Toyoda, seu filho Kiichiro Toyoda começou a direcionar a empresa para a construção de carros na década de 1930.
Os primeiros protótipos apareceram em 1935. Chamado de A1, seu motor de seis cilindros em linha era cópia de motor Chevrolet, o chassi e o sistema elétrico foi inspirado no adotado pela Ford, e sua carroceria aerodinâmica foi clamorosamente baseada no Chrysler Airflow. Ou seja, copiou o que havia de interessante na época.
Depois que os três primeiros protótipos foram concluídos, Kiichiro os abençoou em uma cerimônia budista e levou um desses carros ao túmulo de seu pai para homenageá-lo. Em 1936, o A1 entrou em produção como Toyoda AA, e um ano depois, a Toyota Motor Company foi oficialmente estabelecida.
A Toyota construiu 1.404 sedãs AA e 353 conversíveis AB entre 1936 e 1943, mas todas unidades foram consideradas perdidas durante a Segunda Guerra Mundial. A guerra não foi boa para ninguém, em especial para o Japão; sem recursos naturais, há uma boa chance de que a maioria dos A1, AA e AB foram derretidos e o metal reaproveitado para aviões feitos pela Mitsubishi, armas feitas pela Mazda ou para anéis de pistão feitos por Sochiro Honda.
Os rastro dos primeiros dias da Toyota tornaram-se tão escassos que, em 1987, para celebrar o 50º aniversário da marca, um anúncio foi veiculado para encontrar um exemplar AA para o museu da empresa. Quando nenhum foi encontrado, decidiram construir uma réplica. Mas nenhum desenho ou planta do carro sobreviveu à guerra, então o carro em exibição (foto acima) não é nada mais do que uma aproximação do que imaginam que pode ter sido o AA. Era provável que fosse o mais próximo que a empresa chegaria de suas raízes, até que duas décadas depois surgiram notícias de um surpreendente celeiro encontrado na Rússia.
Vladivostok (quem joga “War” lembra bem desse nome) é uma cidade portuária remota no Pacífico, perto das fronteiras da Rússia com a China e Coreia do Norte. Está ligado à Rússia Europeia pela Ferrovia Transiberiana, o que poderia explicar ao mundo como o único Toyoda AA 1936 acabou se materializando em um celeiro fora da cidade. Ninguém sabe como o carro chegou à Rússia; a União Soviética não tinha presença no Japão, e o Japão não estava exatamente exportando muito no rescaldo imediato da Segunda Guerra Mundial. Mas, de alguma forma, o carro chegou à União Soviética -Sibéria, na verdade – onde passou décadas guardado como uma sucata velha.
Em 2008, um estudante russo de 25 anos entrou em contato com o Museu Louwman nos Países Baixos, com uma dica que soava boa demais para ser verdade. Ele encontrou num jornal local o anúncio de um Airflow de 1936, mas, ao inspecionar o carro, ficou convencido de que era um AA. O museu é um dos mais antigos e prestigiados do mundo, e encontrar o Toyota mais antigo existente seria um golpe de sorte incrível.
Depois de algumas pesquisas, descobriu-se que o carro foi importado em algum momento da década de 1940 e foi propriedade da mesma família por mais de 60 anos. Décadas de invernos siberianos, falta de peças e trabalho duro não foram gentis com o AA no entanto, e muitas coisas foram modificadas ao longo dos anos. O volante passou da direita para a esquerda, um rádio e limpadores de para-brisas mais novos foram instalados, uma outra grade foi montada e foram instaladas rodas de caminhão da era soviética. Mas o mais importante é que era um AA, até agora o único que sobrou.
Quando o Louwman se envolveu na história, o governo russo se interessou pelo carro. Com mais de 50 anos, o AA ficou sob o cuidado do Ministério da Cultura russo, o que complicou a venda. Após sete meses de negociações entre o museu, vendedor e governo, o AA foi exportado para Haia (Holanda), onde se encontra exposto orgulhosamente no museu, exibindo seus 80 anos de merecidas e honrosas cicatrizes.
Se você seguir o mercado de carros antigos, vai notar que nos últimos anos os “barn finds” (algo como “encontrado no celeiro) é a aspiração máxima der todo explorador sanguessuga que frequenta esse meio. Por aqui só acham velhas Kombi e Fusca, mas no Exterior a coisa bomba. Mas toda Ferrari, Bugatti pré-guerra e carro com “big block” que são “redescobertos” (sim, até nisso existe fraude, na tentativa de agregar valor com uma história estranha) de alguma forma parecem menos especial do que este Toyota.
Com carros de luxo ou esportivos de alto nível, em geral existem registros em algum lugar, ou colecionadores de alto nível estão circulando há anos, esperando que o atual proprietário canse e venda ou, melhor, morra. E por mais raros que alguns “muscle cars” sejam, a produção em massa significa que há poucos -mas alguns- sobreviventes solitários lá fora. O AA “russo” era como algo voltando dos mortos, espécie de Santo Graal do antigomobilismo; foi um encontro inesperado e até então considerado impossível.
Agora, como a Toyota beira sua nona década como montadora, ela não só agora tem seu primeiro carro em exibição, como quase todas as grandes montadoras, mas também tem um ponto de partida perfeito para fazer uma réplica correta de seu histórico modelo.