Black Magic, este é o Chevette das galáxias!
A Vauxhall era a subsidiária britânica da General Motors, e colocou o seu primeiro carro à venda em 1903. Durante 92 anos -de 1925 a 2017- foi propriedade da GM, e durante esse tempo, conseguiu a reputação de ser uma fabricante de veículos tranquilos e confiáveis, embora houvesse exceções ocasionais. O Vauxhall 10-4 de 1937, por exemplo, foi um triunfo tecnológico, em parte devido à sua construção monobloco incomum, enquanto o Vauxhall XVR, mostrado no Salão de Genebra de 1967, chocou os visitantes e jornalistas especializados, que não acreditavam que a marca pudesse projetar algo parecido. E então houve o Chevette Black Magic (Magia Negra), simplesmente o melhor Chevette que já existiu.
por Ricardo Caruso
O Chevette Black Magic foi um carro-conceito que apareceu pela primeira vez em público no Salão de Londres, em outubro de 1979. Comparado com tudo o mais que havia no estande da Vauxhall, era atraente e talvez até escandaloso, mas impressionante. O que poucos sabiam na época é que não se tratava de um carro novo, mas sim de um veículo que já havia passado por duas transformações nos anos anteriores.
Para entender o que era o Chevette Black Magic, primeiro é necessário conhecer o carro de linha Vauxhall Chevette, bastante semelhante ao Chevette brasileiro. Era um carrinho compacto, baseado na plataforma T de tração traseira da GM e, portanto, relacionado aos Chevrolet e GMC Chevette de vários mercados, embora o significado de “pequeno Chevrolet” de seu nome dissesse muito menos para os clientes do Reino Unido do que para os dos Estados Unidos. Variações construídas na mesma plataforma incluíram o Opel Kadett (Alemanha), o Holden Gemini (Austrália), o Isuzu Piazza (Japão) e o Daewoo Maepsy (Coreia do Sul), entre outros. Era o “carro mundial” da GM daqueles tempos.
O Chevrolet Chevette brasileiro foi lançado em 1973, que curiosamente foi o primeiro país do mundo a conhecer o novo carro. Já o Vauxhall Chevette britânico foi lançado em maio de 1975 e inicialmente estava disponível apenas como um hatch de duas portas; o hatch no Brasil veio em 1980 (durou até 1987). Era tão atraente que a Opel (outra marca da GM naquele período, para a Alemanha) utilizou o seu desenho como inspiração para o novo Kadett, que anteriormente tinha sido vendido como sedã. Seguiriam-se no Brasil os modelos wagon (Marajó, 1980-1989) e a picape (Chevy 500, 1983-1995); um furgão -hoje muito raro- foi desenvolvido na Inglaterra pela Bedford e se chamava Chevanne.
Com duas exceções, quase todos os Vauxhall Chevette eram movidos pelo motor de 1.256 cm3 baseado num projeto da Opel. Na fase de testes e protótipos, esse motor tinha apenas 699 cm3, mas nunca apareceu num Opel de produção com menos de 993 cm3 ou num Vauxhall de linha com menos de 1.057 cm3. Em 1975, dificilmente podia ser considerado um motor moderno, mas era bom o suficiente para a maioria das versões do Chevette.
Curioso o fato de que nem todos os Chevette o utilizaram, justamente por conta das atividades automobilísticas da Ford. O grande rival da Vauxhall no mercado do Reino Unido, o Ford Escort, teve grande sucesso em ralis com o Twin Cam de primeira geração e o RS1600 desde 1968, e estava prestes a lançar uma versão RS1800 de segunda geração ainda mais interessante. Seria apenas um leve exagero dizer que qualquer um que quisesse vencer um rali britânico na década de 1970 tinha primeiro que comprar um Ford Escort, o resto era consequência…
Bob Price, chefão da Vauxhall, ficou compreensivelmente irritado com toda a publicidade que a Ford estava recebendo de suas atividades de rali, e queria que a Vauxhall participasse desse movimento. Isso levou ao desenvolvimento do Chevette HS –uma versão animada do pequeno Chevette, equipada com um motor 2.3 DOHC (olha de onde veio a ideia dos Chevette com motor Opala de quatro cilindros e 2.500 cm3)- do motor Slant4 da Vauxhall debaixo o capô. O carro não parecia agressivo o suficiente para ser um veículo de alto desempenho, então a equipe de desenho da Vauxhall (liderada por Wayne Cherry, que havia sido enviado de Detroit para lá em 1965) foi convidada a atualizar sua aparência.
O carro de desenvolvimento para esta parte do projeto mais tarde ficaria conhecido como Chevette Black Magic, embora esse nome não fosse usado por vários anos. Um dos principais requisitos era reduzir a sustentação aerodinâmica, o que fazia com que o Chevette padrão parecesse muito leve na dianteira quando viajava a 100 km/h. Um para-choque dianteiro aerodinâmico e um pequeno spoiler traseiro melhoraram muito a situação. O arrasto foi reduzido pelo uso de faróis embutidos que não eram usados no Chevette HS, ou mesmo em qualquer Chevette antes de 1980. Aos olhos britânicos, o carro em desenvolvimento parecia, portanto, vários anos mais jovem do que realmente era.
Outras mudanças exteriores incluíram faróis de neblina dianteiros e luzes de neblina traseiras, um esquema de decoração diferente, com degradê de faixas cinza nas laterais e as rodas herdadas do Chevrolet Vega Cosworth.
No interior, o carro apresentava painel de instrumentos exclusivo, bancos dianteiros maiores (com aquecedores vindos da Cadillac ), banco traseiro rebatível dividido 50/50, painel com acabamento de madeira, revestimentos em couro preto e quatro alto-falantes, sendo os dois dianteiros ajustáveis individualmente para volume. Muito pouco deste trabalho da área de projetos da GM foi transferido para a produção do Chevette HS.
A Vauxhall registrou o carro para uso rodoviário; o R no final da placa acima mostra que isso deve ter acontecido entre 1º de agosto de 976 e 31 de julho de 1977. Wayne Cherry o usava como carro do dia a dia e logo descobriu que as mudanças na dianteira criaram problemas de arrefecimento. Depois que o motor DOHC Slant4 sofreu sua segunda queima de junta do cabeçote, um SOHC Slant4 mais “manso”‘, de 118 cv, foi instalado em seu lugar.
Cherry e sua equipe usaram o mesmo carro para testes aerodinâmicos adicionais. É aqui que entra o nome “Black Magic”: a carroceria foi repintada de preto e a mesma cor foi aplicada nos novos dispositivos aerodinâmicos. Isso incluía spoiler de borracha no para-choque dianteiro e saias laterais (que reduziam a distância ao solo do carro em 8, cm e cobriam inconvenientemente todos os pontos de erguimento da carroceria pelo macaco e calotas integrais.
Em setembro de 1979, um mês antes do Salão de Londres, a Vauxhall publicou um amplo material sobre o Chevette Black Magic, revelando a eficácia do trabalho aerodinâmico. A elevação frontal em velocidade foi reduzida em 52,5% e a elevação traseira em 37,3%. O arrasto aerodinâmico foi reduzido em 20,4 %, embora não tenha sido informado se isso ocorreu quando o carro foi equipado com as calotas, que foram removidas para fotos publicitárias porque não pareciam fotogênicas.
Os revendedores Vauxhall podiam vender o para-choque dianteiro, as saias laterais e o spoiler traseiro, mas eram itens caros e difíceis de instalar, e havia muito poucos compradores interessados. Nem um pouco parecido com o Black Magic, que jamais entrou em produção, pelo menos o Chevette HSR parecia ser algo diferente: era um desenvolvimento leve do Chevette HS, com suspensão traseira melhorada, que permitiu à Vauxhall permanecer competitiva nos ralis no início dos anos 1980.
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