Wilsinho, tão importante quanto Emerson, Senna e Piquet
No início dos anos 1960, Emerson Fittipaldi, o “Rato”, era conhecido apenas como o “irmão mais novo” de Wilson Fittipaldi Junior, o “Wilsinho” ou o “Tigrão”, que por sua vez era “o filho do ‘Barão’ Wilson Fittipaldi. Ambos chegaram à Fórmula 1, e enquanto Emerson brilhava na Lotus, Wilsinho padecia com a Brabham. Não podemos esquecer -nessa primeira boa leva de brasileiros na categoria- José Carlos Pace, claro. Com o passar do tempo, Emerson conquistou dois títulos e dois vice-campeonatos na Fórmula 1, e a história inverteu: Wilsinho se transformou no “irmão mais velho” do Emerson, sem que isso seja demérito algum, afinal, Emerson foi um dos grandes gênios do automobilismo mundial. Na sequência, vieram Piquet, Senna e tantos outros.
por Ricardo Caruso
Ser campeão mundial de Fórmula 1 é uma feliz sequência de boas coincidências. Você precisa estar no melhor carro, na melhor equipe, ter talento e uma boa dose de sorte e de malandragem. Com isso, se tudo der certo, o caminho fica melhor asfaltado para chegar ao título. Mas muito mais difícil que isso, é construir um carro de Fórmula 1, montar uma equipe e disputar o Mundial da categoria. E fazer isso longe do centro nervoso do automobilismo, que é a Europa, mais complicado ainda. Com pouco dinheiro? Quase impossível.
Mas esse é talvez o grande legado, o “campeonato mundial” de Wilsinho: criar a Copersucar-Fittipaldi (depois apenas Fittipaldi), ali num galpão na frente de Interlagos, com engenheiros, técnicos, mecânicos, ferramental, projetista e componentes brasileiros. Importados eram apenas os itens mandatários, como motor, câmbio e pneus. Dessa ousadia -diria até mesmo atrevimento- nasceu o FD-01, teoricamente revolucionário, com seu aerofólio dianteiro, posição de pilotar baixa, motor carenado, radiador traseiro, aerodinâmica apurada e decoração com os colibris simplesmente maravilhosa. Por muito pouco não deu certo, e durou até acabar o dinheiro.
Wilsinho esteve envolvido antes em projetos e construção de carros de corrida, como no desenvolvimento do chassi Mini Kart, do Fusca de dois motores, do Fitti-Porsche, Fórmula Ve e tantos outros, até desaguar no Copersucar-Fittipaldi, projetado pelo então jovem engenheiro brasileiro Ricardo Divila. Estreou -com Wilsinho ao volante- no GP da Argentina de 1975. A equipe brasileira correu 104 GPs, não se classificou em 18, construiu 13 chassis, marcou 44 pontos e seu melhor resultado foi no GP do Brasil de 1978, em Jacarepaguá, algo absolutamente histórico. Sua última participação foi no GP de Las Vegas de 1982 e a melhor posição de largada foi o quinto lugar no grid, no GP do Brasil de 1976. A Fittipaldi teve como pilotos, além de Wilsinho ,Arturo Merzario, Emerson Fittipaldi, Ingo Hoffmann, Alex Dias Ribeiro, Keke Rosberg e Chico Serra. Um dia foi maior que a Ferrari, comprou a Wolf, teve os melhores engenheiros… Parece pouco, mas tudo isso é muito.
Imagine a dificuldade de sair do zero, montar uma equipe de Fórmula 1, alinhar no grid e marcar pontos. A equipe errou, mas pela ousadia, pela busca da inovação. Fazer um carro comum, talvez fosse uma caminho menos dolorido, mas seria o atrevimento que faria a diferença, o tal “tirar um coelho da cartola”, como a Tyrrell fez com o carro de seis rodas, a Lotus com o carro-asa ou a Renault com os motores turbo. Pilotos bons não faltaram, nem estrutura, mas o dinheiro foi escasso. A imprensa especializada apoiou, mas jornalistas de fora da área e comediantes em geral transformaram a aventura brasileira na Fórmula 1 em motivo de chacota e piadas cansativas.
E assim um dia o orgulho brasileiro deixou as pistas. No dia 25 de setembro de 1982 acabou o sonho de Wilsinho e da família Fittipaldi, mas ficou uma história repleta de muitos bons e maus momentos. Assim é o automobilismo, uma mescla de sucesso e decepção sem fim. Com certeza, uma imensa alegria do “Tigrão” ver seu filho Christian traçar uma brilhante carreira internacional, que incluiu 40 GPs de Fórmula 1 entre 1992 e 1994.
Pessoalmente, tive muitos encontros com os Fittipaldi, todos agradáveis e memoráveis. Como fã ainda, lembro do Wilsinho parando num posto nos Jardins para abastecer sua moto BMW e, dias depois, andando na avenida Faria Lima, com uma BMW CS 3.0 Alpina verde metálica (perdi ele andando pelas ruas de SãoPaulo com seu Porsche 917…).. Ou então liberando a entrada em Interlagos para eu e um amigo acompanharmos um dos treinos do FD-01. Como jornalista, foram muitas entrevistas e conversas, umas rápidas e outras longas. Numa dessas, vi ele ficar com os olhos cheios de lágrimas contando que no dia que François Cevert morreu, ele havia levado o francês em seu carro do hotel para a pista: “Ele disse para mim que não estava com vontade de dirigir naquele dia. E antes de começar o treino ele me procurou no box e disse que, quando acabasse o treino, eu não esquecesse dele, porque ele ia voltar para o hotel comigo”.
Ou no dia de um GP de Fórmula 1 em Interlagos, onde ele era o piloto do pace car, se não me engano um Saab fornecido pela General Motors. Chegou de macacão e capacete debaixo do braço, e quando quis entrar no box um limitado pediu a credencial dele. “Sem credencial não entra”. Ele disse: “mas eu sou o piloto do pace car“, como se necessitasse de alguma apresentação. O sujeito disse: “Não interessa,sem credencial não entra”. Resolveu de maneira simples, nocauteando o imbecil com um certeiro cruzado de direita. E olhou para trás, onde estava eu e meu irmão Rubens, com cara de espanto com o que tinha acontecido.
Mas como todos, ele era mortal. Wilsinho cumpriu como ninguém as 80 voltas que deu na sua passagem por essa vida, já algum tempo lutando com problemas de saúde, mas sempre ativo. Que seja sempre lembrado não só como piloto e pioneiro, mas também por ter colocado uma equipe brasileira de Fórmula 1 na história, algo sem dúvida tão importante quanto um título de campeão. Na verdade, ninguém foi tão longe como o “Tigrão”. Desejamos paz e entendimento para a família Fittipaldi e luz para o “Tigrão” nessa nova etapa. Correr entre as nuvens deve ser divertido.