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François Cevert, 50 anos depois

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Eu tive três ídolos no automobilismo: Emerson Fittipaldi, pela precisão; José Carlos Pace, pela superação e François Cevert, pelo conjunto da obra. Curiosamente, a primeira matéria que escrevi para uma revista (Autoesporte) foi justamente sobre Cevert, nos 10 anos de sua morte, a pedido do inesquecível Marcus Zamponi (“Parece coisa de viado, mas gostei do texto”, decretou…).

Francois Cevert estava destinado a ser o grande piloto francês dos anos 1970, apontado como futuro campeão mundial de Fórmula 1. Era Jovem, bonito (as mulheres que o digam, seduzidas pelos seus olhos azuis), culto, pianista, disciplinado e rápido, muito rápido. Teve uma curta porém brilhante carreira esportiva, destaque em todas as categorias por onde passou. Mas sua estrela se apagou repentinamente, da maneira mais inesperada possível, naquele 6 de outubro de 1973, há exatos 50 anos. Isso causou enorme comoção não só na Fórmula 1, mas no automobilismo e entre seus admiradores.

por Ricardo Caruso

François Cevert

Jackie Stewart era o primeiro piloto da Tyrrell, e o havia recomendado a Ken Tyrrell, o chefão da equipe, para ser seu companheiro em 1970. Ele havia ficado impressionado em uma prova de Fórmula 2 no antigo circuito de Crystal Palace, em Londres, no ano anterior, onde o escocês também competiu. O então campeão mundial de Fórmula 1 não conseguiu superar o francês em seu próprio quintal! Daí nasceu uma amizade tão grande que Cevert chegou a morar na mesma casa de Stewart e era companheiro de intermináveis brincadeiras de seus filhos. Algo impensável na Fórmula 1 nos dias de hoje.

É curioso –mas não deixa de ser um dado histórico– que Cevert tenha ocupado o lugar de outro francês, Georges-Francis “Johnny” Servoz-Gavin, que desistiu da Fórmula 1 por sentir medo (e com razão). Além de indicado por Stewart, François Cevert não tinha medo… Quando Servoz-Gavin se retirou, Ken Tyrrell precisava de um substituto francês devido aos compromissos com a empresa petrolífera Elf. E Cevert foi a escolha certa.

François Cevert

Ele nasceu em Paris, em 1944, durante a ocupação alemã, em uma família judia. Ele adotou o sobrenome de sua mãe -Cevert – para esconder sua origem durante a guerra e sempre o manteve, deixando Goldenberg de lado. Aqui vai uma curiosidade. Ele chegou ao mundo em 25 de fevereiro daquele ano. Sua mãe era, Huguette Andrée Cuvert, nascida em Malakoff. O bebê recebeu o nome de Albert François Cuvert.

Em 1o. de agosto de 1945, foi registrado por sua mãe. Em 20 de junho de 1958, por sentença do Tribunal Cível, foi concedida autorização para mudar o sobrenome de CUVERT para CEVERT. Em 7 de fevereiro de 1972, Albert François Cevert foi reconhecido por seu pai, o joalheiro Charles Goldenberg. Ele foi um emigrante russo-judeu levado para a França ainda menino por seus pais, para escapar da perseguição czarista aos judeus. Durante a Segunda Guerra Mundial, sob a ocupação nazista da França, Goldenberg se juntou à Resistência Francesa para evitar a deportação forçada para a Polônia, já que era um judeu registrado.

Para não chamar mais atenção, os quatro filhos de Charles e Huguette foram todos registrados com o sobrenome dela (Cuvert, e depois Cévert) e não com o dele. Alguns anos após a libertação da França, o pai de Cevert quis renomear seus filhos para o sobrenome Goldenberg, mas a família se opôs, pois eles já haviam se tornado conhecidos como Cevert. Charles faleceu em 1985 e Hugette em 2001.

Grande fã de música clássica e virtuoso do piano, entrou no mundo do automobilismo meio por acaso: sua irmã Jacqueline se casou com o piloto Jean-Pierre Beltoise, um dos ídolos franceses dos anos 1960 e 1970. Isso conseguiu contagiá-lo e François Cevert passou por várias escolas de pilotagem -que proliferaram na França durante aqueles tempos- ganhando o “Volante Shell” de 1966, cujo prêmio era ser piloto da Alpine-Renault no Campeonato Francês de Fórmula 3.

François Cevert

No ano seguinte à Alpine-Renault -1968- foi  campeão ao volante de um Tecno oficial, que imediatamente o promoveu à Fórmula 2 Europeia com essa mesma equipe. François Cevert mostrou enormes qualidades, melhorando a cada temporada e se adaptando à potência superior dos carros sem maiores problemas. Em 1969, ele terminou em terceiro no Campeonato Europeu de Fórmula 2 (onde muitos pilotos de Fórmula 1 também competiam), alcançando a vitória no circuito de Reims.

Fazendo parte da nova leva de pilotos franceses, junto com Patrick Depailler, e onde se destacavam os mais veteranos, como Henri Pescarolo e seu cunhado Jean-Pierre Beltoise, Cevert não passou despercebido pela Matra. A marca aeronáutica francesa também havia desembarcado no automobilismo.

François Cevert

François Cevert foi contratado pela equipe de endurance da Matra Simca, que disputou o Campeonato Mundial de Marcas e buscava uma vitória na “24 Horas de Le Mans”, o que conseguiu em 1972, 1973 e 1974. Com a Matra, Cevert terminou em segundo lugar Le Mans em 1972 e venceu a “6 Horas de Vallelunga” de 1973 como parte da equipe de “Les Bleus” campeã mundial de Marcas.

Sua oportunidade na Fórmula 1 veio rápido, com a ajudada de Jackie Stewart e da aposentadoria abrupta de Servoz-Gavin no meio do ano, terminando a temporada de 1970 pilotando aa segunda March-Ford da equipe Tyrrell e conseguindo seu primeiro ponto no GP da Itália.

François Cevert

Em 1971, a equipe britânica teria seu próprio carro, o Tyrrell 001, projetado por Derek Gardner, que fez Stewart campeão mundial de Fórmula 1 pela segunda vez. Cevert conseguiu uma vitória naquela temporada –que seria a única de sua carreira na F-1 – ironicamente no GP dos Estados Unidos, em Watkins Glen, onde perderia a vida dois anos depois.

Longe de competir com Stewart, o piloto francês foi o pupilo perfeito, verdadeiro escudeiro do escocês. Cevert e Stewart eram grandes amigos fora das pistas, assim como suas famílias. A temporada de 1972 não foi tão boa quanto a anterio,r e a Tyrrell foi ultrapassada pela Lotus e sua nova estrela, Emerson Fittipaldi.

François Cevert

Mas com o novo 005, Ken Tyrrell recuperou sua supremacia em 1973: Jackie Stewart, com cinco vitórias, conquistou seu terceiro título mundial antes do final da temporada e seu “aluno”, François Cevert, estava pronto para sucedê-lo no ano seguinte. Ele havia conseguido na temporada seis segundos lugares, cedendo as vitórias para seu companheiro de equipe. Já estava combinado na Tyrrell que, para 1974, Cevert seria o primeiro piloto, e Stewart o segundo, para retribuir a lealdade de francês e abrir caminho para sua aposentadoria.

Uma de suas últimas fotos, minutos antes do acidente.

Sua irmã Jacqueline ainda guarda o capacete que ele usava no dia do acidente.

O GP dos Estados Unidos encerrou a temporada em Watkins Glen, um dos circuitos preferidos do francês. Mas a fatalidade ditou a regra: durante o treino, a suspensão da Tyrrell quebrou bo “S”, o carro bateu no guard-rail Cevert morreu na hora, aos 29 anos, sem saber o que a equipe e Stewart haviam preparado para ele para 1974. Era o dia 6, sexta volta do treino, chassi 06, motor número 66… apenas para constar.

Três momentos em Interlagos.

Querido por todo o mundo do automobilismo, sua morte causou um enorme choque na Fórmula 1. Jackie Stewart se aposentou imediatamente e sua memória entre os fãs das corridas permaneceu para sempre. O piloto está enterrado em Vaudelnay (Maine-et-Loire), a aldeia onde sua avó morava.

O local exato do acidente.

A MALETA

Jacqueline Cevert cuida de todo o legado e lembranças de seu irmão François. Atendendo a pedidos, ele gentilmente forneceu fotos da maleta com diversos pertences e documentos do piloto, que ele portava no final de semana do acidente. Uma triste curiosidade, mas acima de tudo uma impressionante lembrança, que inclui a carteira de piloto, passaporte, agenda e até chave do quarto do hotel Glenn Motor Inn, onde ele estava hospedado.




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