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Briggs Dream Car, John Tjaarda e a aerodinâmica

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Quando você olha com atenção para o passado e se interessa pela história automotiva, percebe que muitas vezes é introduzido uma nova ideia ou um novo conceito que muda a maneira de como desenhistas e consumidores encaram a engenharia e o estilo dos automóveis.



Exemplo disso é o projeto conceitual de motor traseiro do automóvel Briggs, que foi um daqueles momentos impactantes e certamente diferente de tudo que já havia sido visto antes sobre rodas. O conhecido projetista automotivo John Tjaarda (1897-1962) desenhou o modelo, que tinha motor na traseira, linhas aerodinâmicas e que chamou atenção foi desde o início. Tjaarda também deixou sua marca enquanto trabalhava em Detroit, entre as décadas de 1930 e 1950.

por Marcos Cesar Silva

A Briggs Manufacturing Company era um fabricante de carrocerias de automóveis com sede em Detroit, que produzia para a Ford, Chrysler e outros fabricantes dos Estados Unidos e Europa. Em 1953, a empresa foi comprada pela Chrysler.

A Briggs foi criada pelo empresário da área de esportes Walter Briggs, que inicialmente era tapeceiro de carruagens, após experiência como superintendente de uma fábrica fora da indústria automotiva, que se juntou a uma empresa construtora e reparadora de carruagens de Detroit, a BF Everitt Company. A Everitt havia feito algumas carrocerias de automóveis para Ransom E. Olds e Henry Ford. Walter Briggs logo ficou encarregado das lojas da marca, depois tornou-se vice-presidente e por fim presidente da empresa. Em 1909, os proprietários decidiram fabricar carros completos, e Briggs conseguiu comprar o negócio de construção de carrocerias Everitt e reorganizá-lo como Briggs Manufacturing Company.

Tjaarda e o Briggs Dream Car.

Naquela época, o novo negócio da Briggs era fornecer estofamentos e revestimentos para vários fabricantes de Detroit. Em 1910, a Briggs foi contratada para fornecer para a Ford 10.000 interiores do Modelo T, e assim uma associação estreita com a Ford foi criada. Em 1922, Briggs fez para a Essex um carro fechado com preço próximo ao de um carro aberto e, em 1925, a Essex ofereceu aos compradores a opção de um carro Briggs aberto ou fechado pelo mesmo preço. À medida que a procura pelos carros fechados aumentava, mais empresas foram adquiridas pela Briggs, incluindo concorrentes que também forneciam à Ford.

Durante a década de 1920, a Ford e a General Motors começaram a fabricar suas próprias carrocerias, e Briggs tornou-se a maior empresa independente nesse quesito, fornecendo entre outros para a Packard. Walter Briggs morreu em janeiro de 1952 e, em dezembro de 1953, a Chrysler Corporation comprou toda a operação de Briggs nos Estados Unidos. Eram 12 fábricas, sendo 10 em Detroit e outras duas em Youngstown (Ohio) e Evansville (Indiana). A fábrica onde eram feitas as carrocerias da Packard foi alugada para a própria Packard. As unidades Dagenham e Trafford Park foram vendidos para a Ford e um cliente grande, a Jowett, encerrou a produção e faliu.


arquivo 20171203160208 Projeto do motor traseiro John Tjaarda

Já John Tjaarda nasceu na Holanda e desde jovem demonstrou talento para a engenharia e a criatividade. Com seu conceito de motor traseiro e outros, Tjaarda foi considerado à frente de seu tempo. Ele frequentou uma escola de engenharia aeronáutica em Londres e, após a formatura, ganhou como prêmio uma das primeiras passagens aéreas comerciais britânicas. Ele ensinou pilotagem em Londres de 1914 a 1917 e depois serviu na Força Aérea Real Holandesa de 1917 a 1920. Após trabalhar na KLM Airline por três anos, Tjaarda foi para os Estados Unidos trabalhar como engenheiro automotivo. Durante a década de 1930, o termo “racionalização de produto” foi se estabelecendo na indústria automotiva, atingindo vários desenhistas e estúdios do setor.

Alguns entusiastas do mundo do automóvel referem-se a Tjaarda como um extraordinário visionário ou um gênio. O modelo conceitual que ele projetou para a Briggs trazia linhas agradavelmente arredondadas, com os faróis embutidos nos para-lamas. A carroceria era mais larga e mais baixa que o normal e os estribos foram removidos. O desenho do interior apresentava um velocímetro horizontal com uma linha vermelha para indicar a velocidade. Os cuidados com a aerodinâmica -algo raro naqueles tempos- proporcionou espaço interno suficiente para acomodar três passageiros na frente e três na traseira, com bom conforto.

arquivo 20171203160409 Projeto do motor traseiro John Tjaarda

O conceito -na verdade chamado de Briggs Dream Car- também foi exibido na exposição “Chicago Century of Progress” (que aconteceu entre 1933 e 1934), onde estima-se que um milhão de pessoas naquela época tiveram a oportunidade de ver e comentar sobre o novo e excelente conceito de desenho para automóvel. Mas quando Briggs apresentou o modelo conceitual de motor traseiro no “Century of Progress”, descobriu que a maioria das pessoas não gostava da ideia de colocar o motor atrás do banco traseiro, e que o desenho frontal bem inclinado parecia muito com o do Chrysler Airflow daquele ano de 1934, que não teve um bom desempenho no mercado.

O Briggs Dream Car exibia carroceria com desenho bastante fluido e limpo, como muitas características dos estudos de Tjaarda da década de 1930. O modelo também oferecia um powertrain que podia ser todo removido, completo e rapidamente, incluindo sistema de arrefecimento e transmissão automática. Foi o próprio Briggs batizou o modelo de “Briggs Dream Car”.

arquivo 20171203160538 Projeto do motor traseiro John Tjaarda

A ideia de motor traseiro de Tjaarda também foi baseado em desenhos e observações aerodinâmicas nos quais ele começou a trabalhar em 1926, chamados de “Sterkenberg Series”, que ele aprimorou em 1930 enquanto trabalhava para o lendário projetista Harley Earl. No início, Tjaarda construiu um modelo em escala real totalmente detalhado do seu carro-conceito com motor traseiro, antes de construir o protótipo Briggs de 1934.

Um detalhe interessante: o conceito de desenho aerodinâmico de John Tjaarda tinha uma estranha semelhança com o pequeno carro com motor traseiro de 1932 desenvolvido na Alemanha por Ferdinand Porsche para a NSU Company, chamado Type 32, ou “Kleinauto”. Em 1933, este modelo já estava a caminho de se tornar o Volkswagen Fusca. Isso indica que a própria Europa já estava se preocupando com a aplicação de conceitos da aerodinâmica nos seus carros.

arquivo 20171203160729 Projeto do motor traseiro John Tjaarda

Ao longo da década de 1930, Chrysler, General Motors e Ford construíram e testaram secretamente automóveis com motor central e traseiro; no entanto, a maioria das dificuldades de engenharia para isso só foram abordadas muitos anos depois. Quando o popular Volkswagen foi apresentado ao público, muitos americanos gostaram do estilo do automóvel e do conceito do motor traseiro.

arquivo 20171203160839 Projeto do motor traseiro John Tjaarda
Convite para a apresentação do Volkswagen no mercado americano.

Numa segunda-feira, 17 de julho de 1953, a Alemanha Ocidental entrou oficialmente no mercado automotivo americano de baixo preço com o lançamento de seu Volkswagen. O Volkswagen não era um “carro padrão”, mas sim um modelo feito com precisão e pensado de pára-choque a pára-choque. Seu motor traseiro permitia rodas 15 km/litro de gasolina, e muitos consumidores gostaram disso.

Como o Briggs Dream Car não foi adiante, o trabalho não foi todo perdido e é claro que muita coisa foi aproveitada num carro de produção, o Lincoln Zephyr. Explicamos.

Por conta das ideias avançadas de Tjaarda, quem quisesse desenvolver um carro moderno nos anos 1930 tinha que se inspirar no estilo streamline. Com ele, o automóvel começou a ganhar linhas mais interessantes e fluidos, desobedecendo a rotina dos carros que pareciam caixotes com rodas. Os fabricantes descobriram a aerodinâmica e começaram a buscar fórmulas para diminuir a resistência ao ar, melhorando desempenho e consumo, entre outros; a forma ideal da aerodinâmica é a de uma gota, e isso deveria servir de base para o desenho das carrocerias. Depois do Briggs, o melhor exemplo -pioneiro em carros de produção- foi o Chrysler Airflow 1934. Mas não vendeu bem, diferente do Lincoln Zephyr que veio logo na sequência, o primeiro carro americano bem-sucedido nesse quesito.


Do outro lado do Atlântico, os fabricantes europeus correram atrás do prejuízo estilístico, e bons exemplos disso são o estranho tcheco Tatra T77, lançado na mesma época e o avançado Peugeot 402. Em novembro daquele ano de 1934, a Lincoln -divisão de luxo da Ford- levou os carros streamliner ao gosto do público americano e ao desejado sucesso de vendas. Era a tentativa de oferecer um carro luxuoso e avançado no cenário recessão econômica que destruía a América nos anos 1930.

A ideia foi de Edsel Ford, filho de Henry Ford; a marca Lincoln foi adquirida em 1922, por sugestão de Edsel. Como presidente da Lincoln, Edsel se preocupou em manter a qualidade e luxo da marca e seus grandes motores Em seguida, Edsel pensou ser saudável surpreender o mercado também pelo visual.

A tarefa de projetar um carro que custasse pelo menos da metade de qualquer outro Lincoln, mas com muito estilo, coube a John Tjaarda (uma curiosidade: ele era o pai de Tom Tjaarda, também projetista, que entre outros assinou o  De Tomaso Pantera) e Eugene “Bob” Gregorie, em parceria com a Briggs, que fabricaria as carrocerias. O desenho foi claramente inspirado no Dream Car, que “cedeu” vários elementos de estilo para o Lincoln. Foram produzidas 15 mil unidades no primeiro ano, 80% dos carros que a Lincoln vendeu. A forma de gota se repetia nos faróis embutidos, pára-lamas traseiros (com saias) e no próprio desenho da traseira do sedã. Já o cupê era praticamente a versão de produção do Dream Car…


Concluindo, o falecido John Tjaarda não está mais entre nós, mas seus projetos aerodinâmicos e de motores traseiros automotivos sempre farão parte da história e herança automotiva.





A forma de gota ficava evidente nos primeiros modelos do Zephyr, como este cupê de 1937. Dos faróis às saias nos pára-lamas, tudo favorecia sua fluidez pelo ar



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