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Como funcionam e quais as vantagens das baterias de estado sólido.

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A última barreira a ser derrubada pelos carros elétricos é a trilogia “peso de baterias – autonomia – tempo de recarga”. Resolvido isso, nada mais irá deter a popularização desse tipo de veículo. Para chegar a isso, as baterias de estado sólido têm sido apontadas como o futuro dos automóveis elétricos. Mas, quando esse futuro chegará é a questão.

por Ricardo Caruso

Células de baterias de estado sólido da SolidPower

As baterias de estado sólido são hoje a maior promessa da indústria automotiva dos últimos 10 anos. E seguramente uma das maiores novidades para os próximos anos. Stellantis, Toyota, BMW, Nissan, BYD, Hyundai e outras marcas estão investindo muitas centenas de milhões de dólares no seu desenvolvimento, pela tentação do que prometem, o que inclui o fato de serem baterias que não viciam, que duram mais tempo e que permitem cumprir maiores autonomias entre cargas.

Tudo parece direcionar para o carro elétrico dos sonhos, mas há um problema. As previsões apontam apenas para o final desta década a chegada da tecnologia das baterias de estado sólido aos modelos de maior volume de produção.

O que são?

Antes de nos focalizarmos nas vantagens e desafios desta tecnologia, vale a pena explicar do que se trata e em como ela se diferencia da tecnologia das baterias atuais mais comuns, de ions de lítio, sejam estas do tipo LFP (fosfato de ferro – lítio) ou NMC/NMA (níquel, manganês, cobalto ou alumínio).

As baterias de estado sólido, tal como as de ions de lítio, têm um anodo, um catodo e um eletrolito. O eletrolito é o meio onde ocorre o fluxo de ions entre o anodo e o catodo (os eletrodos) da bateria, transferindo cargas elétricas e gerando corrente elétrica. É o eletrolito que permite a conversão de energia química em energia elétrica.

Infografia a mostrar diferenças entre baterias de iões de lítio e estado sólido
Diferenças entre a bateria de ions de lítio e a bateria de estado sólido.

A grande diferença entre as duas baterias reside precisamente no eletrolito que é sólido nas baterias de estado sólido e é líquido (ou em gel de polímero) nas baterias de ion de lítio atuais. Para estes eletrolitos sólidos são propostos materiais como os compostos cerâmicos (óxidos, sulfetos, fosfatos), polímeros condutores e vidro.

Os eletrolitos sólidos não são novidade, pelo contrário: foram descobertos no século 19 (anos 1800). Naqueles tempos, porém, foram descartados por terem densidade energética baixa, algo que já não acontece hoje. Mas foi preciso esperar mais de um século —estamos no século 21—, para voltarem a receber a atenção devida, sobretudo nos projetos dos automóveis elétricos.

A bateria de estado sólido da Toyota, já em testes.

Apesar de estarem a poucos anos de distância de equiparem automóveis elétricos produzidos em massa, as baterias de estado sólido já são usadas hoje, como em identificadores por radio frequência (RFID), tecnologia wearable ou em pilhas pequenas, do tipo das usadas em relógios. Falta agora dar o salto final para as quatro rodas, que requerem baterias bem maiores, o que traz certos desafios.

Vantagens

E quais são, definitivamente, as vantagens das baterias de estado sólido diante das ions de lítio?

Pessoa a segurar duas células de baterias de estado sólido
Na imagem, células individuais de uma bateria de estado sólido da SolidPower. A empresa tem parcerias com a BMW e a Ford, que serão as primeiras a receber as suas baterias.

Maior Densidade Energética – As baterias de estado sólido têm potencial para oferecer maior densidade energética (Wh/kg) porque o eletrólito sólido é mais compacto. Isto significa que as baterias de estado sólido podem armazenar mais energia no mesmo espaço —entre duas vezes a 10 vezes mais—, comparando com as baterias de ions de lítio.

Maior Segurança –  Ao ter um eletrolito sólido, elimina-se o risco de fuga de líquido, como no caso de um acidente, o que reduz significativamente o risco de incêndio.

Vida útil maior – As baterias em estado sólido também prometem maior vida útil em comparação com as de ions de lítio. Devido à sua maior estabilidade química, são menos suscetíveis à degradação causada pelos ciclos de carga e descarga.

Carregamentos mais rápidos – Esta estabilidade química superior permite outra vantagem importante: tempos de carregamento mais rápidos. A gestão térmica da bateria também é mais simples, e não exige tantos sistemas de monitoramento e controlo da bateria, aumentando também a sua eficiência.

O grande problema

Apesar das vantagens que acabamos de listar, a tecnologia de baterias de estado sólido em automóveis ainda não passou da teoria à prática. Ou seja, ainda não está disponível nos carros elétricos à venda no mercado. Esta tecnologia terá de enfrentar vários desafios antes de começar a ser comercializada em larga escala.

celula individual de bateria de estado sólido da QuantumScape
Célula individual de uma bateria de estado sólido da QuantumScape. O Grupo Volkswagen é o maior acionista da empresa.

Custos – Como seria de esperar o maior problema desta tecnologia atualmente é o seu custo. E podemos separar o custo adicional em duas partes: matérias-primas e construção. No primeiro caso, as baterias de estado sólido usam anodos de alta densidade e o lítio tem sido o material preferido para serem feitos. Estas baterias precisam de mais lítio que as de ions de lítio e isso é um problema. O preço do lítio só tem tendência a subir no mercado internacional, pois a procura cresce mais rápido que a oferta, e a chegada das baterias de estado sólido podem agravar essa tendência.

Para dificultar tudo isto, o processo de fabricação é totalmente diferente das baterias de ions de lítio existentes. Ou seja, vão ser necessárias novas fábricas e processos para garantir os benefícios das economias de escala que as de ions de lítio começam a ter.

Embora várias marcas já tenham mostrado protótipos de baterias de estado sólido, ainda nenhuma conseguiu passar para produção em larga escala.

Degradação rápida – Não é nenhuma contradição do que já falamos antes. Dissemos que as baterias de estado sólido têm o potencial de durarem mais que as de ions de lítio, mas ao usarem anodos de alumínio, partilham com estas um problema: formação de filamentos de lítio, que podem se formar com o carregamento ou descarregamento rápido das baterias. Têm sido uma das causas para os curtos-circuitos internos e até explosões -muito raras- das baterias de ions de lítio.

Como a maioria das baterias de estado sólido conhecidas recorrem a anodos de lítio, a formação desses filamentos é uma forte possibilidade, podendo até quebrar o eletrólito sólido e provocar curto-circuito. A solução passa por usar outro material para o anodo, ou então livrar-se do anodo, como promete a QuantumScape no vídeo a seguir:

Afinal, quando chegam?

Apesar dos desafios, estes não são intransponíveis; observe a evolução que vimos nas baterias de ions de lítio no espaço de 10 anos. O potencial das baterias de estado sólido é enorme, e todos olham para esta tecnologia como o futuro dos carros 100% elétricos. Mas é um futuro que só deverá passar a ser realidade no final desta década, quando marcas como a Toyota ou BMW planejam lançar os primeiros modelos com esta tecnologia.

Num período em que a química das baterias conhece novas evoluções a cada anos, é quase certeza que, diante dos materiais e tecnologias atuais, as baterias em estado sólido vão mesmo mesmo se tornar realidade nos automóveis, não evaporando como promessa nunca cumpridas. A resposta a esta questão chegará aos carros nos próximos seis ou sete anos. Quem viver, verá.


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