PAPO DE GARAGEM, por Douglas Mendonça
Do conceito ao sucesso, a evolução do Ford Ka
A história do pequeno Ford Ka, aquele de primeira geração, começou lá na Europa no início dos anos 1990: como o Fiesta, modelo de entrada da marca, estava crescendo em tamanho e evoluindo a cada nova geração, já estava na hora de estrear um modelo menor, ideal para jovens, solteiros e casais sem filhos. Com o sucesso de Renault Twingo, Peugeot 106, Opel Corsa e demais pequenos hatches urbanos, a Ford se viu motivada para entrar nesse então promissor mercado da época.
A primeira “aparição” desse carrinho se deu na Suíça, no Salão de Genebra de 1994, na forma de um carro conceito subcompacto ovalado e com desenho futurista, que atraiu bastante a atenção do público daquela edição do evento. O nome Ka, de origem egípcia, que significa alma ou espírito de um ser humano, já batizava esse curioso conceito de 1994.
Depois disso, com o projeto do pequeno carrinho foi avançando pelos centros de engenharia e desenho da Ford Europa, mais um modelo conceitual dava uma prévia do Ka definitivo: dessa vez mostrado no Salão de Turim na edição de 1996, ocorrido entre abril e maio, o conversível Ghia Saetta era bem próximo do simpático modelo final lançado em Paris meses depois, em setembro de 1996.
Na época, mesmo com os concept cars já adiantando um pouquinho de como seria esse Ford urbano, ele surpreendeu (e muito) quando chegou: com desenho totalmente inovador e arrojado, ele tinha carroceria arredondada de duas portas, onde os elementos de forma oval predominavam. O interior seguia o mesmo estilo, com visual arredondado e focando na praticidade, com direito até a um reloginho analógico na parte superior do painel.
O “Kazinho”, como ficou carinhosamente conhecido por aqui, foi desenhado pelo francês Claude Lobo (que também é o pai do primeiro Focus), e, querendo ou não, era um ponto fora da curva quando o assunto é design, e se diferenciava dos demais concorrentes por isso. Uma curiosidade: foi lançado no Salão de Paris ao som da banda Supergrass, ao vivo, com a musica “Allright”, enorme sucesso na época.
Na mecânica, quem fazia presença era única e exclusivamente o motor 1.3 8V da “família” Endura-E, com comando de válvulas único (no cabeçote) e bloco de ferro fundido. Esse motor, já conhecido em outros modelos da Ford, oferecia baixíssimos números de consumo de combustível e fácil manutenção. No Ka, ele desenvolvia 61 cv de potência e 10,6 mkgf de torque, o que fazia o carrinho ir da imobilidade aos 100 km/h em pouco mais de 15 segundos, chegando aos 155 km/h de velocidade máxima. A transmissão também era única: manual, de 5 velocidades.
Um dos seus destaques era, sem dúvidas, a dinâmica de direção: compartilhando a base com o Fiesta de quarta geração, ele era equipado com um sistema de suspensões bem acertado e tinha boa distribuição de peso entre os eixos, resultando em um bom comportamento dinâmico nas curvas ou desvios bruscos de trajetória, com boa aderência ao solo e carroceria que rolava pouco. “Um kart”, diziam.
O Ka no Brasil
Por aqui, esse Ford compacto estreou em março de 1997, exatos seis meses depois da apresentação na Europa. Além do curto espaço de tempo entre a chegada do Ka no Velho Continente e aqui no Brasil, o modelo nacional se mantinha praticamente inalterado em relação ao original: além da lista de equipamentos que obviamente variava de lá pra cá, apenas as suspensões foram erguidas em 2,5 cm e os pneus tinham outra medida, com perfil mais alto para se adequar ao nosso asfalto lunar. No design nada foi mudado, e o carrinho chegou ao nosso País causando o mesmo rebuliço da sua apresentação no Exterior, principalmente quando comparado a alguns concorrentes mais tradicionais, como o Fiat Mille e VW Gol.
A principal novidade do Ka brasileiro era a adoção do motor 1.0, também Endura-E, que já equipava o Fiesta. Sendo uma versão simplificada do 1.3 disponível na Europa, que também era oferecido na versão mais cara do carrinho por aqui, essa variante de 999 cm³ rendia 53 cv e 7,8 mkgf e, assim como na versão europeia, tinha sistema de injeção eletrônica multiponto.
O que ele não entregava em desempenho, compensava com o baixíssimo consumo de combustível (lembrando que o 1.3 já era econômico), além da facilidade de manutenção. Mesmo sendo um carro barato e de entrada, o Ka poderia ser equipado com diversos itenss interessantes para sua faixa de preço, como rádio AM/FM com CD Player, vidros/travas/retrovisores elétricos e até airbag frontal duplo, para motorista e passageiro dianteiro. Ele também se gabava por ser um dos primeiros modelos nacionais a ter o sistema de corte na alimentação de combustível em caso de colisões, para evitar vazamentos e incêndios.
Fazendo sucesso, vendendo bem e cativando o público, o Ford Ka se manteve sem mudanças até a linha 2000, quando recebeu importantes melhorias: chegavam os novos Zetec Rocam, motores com projeto totalmente nacional, com concepção simples para facilitar a manutenção, mas trazendo evoluções quando comparado aos Endura-E. O Ka, então, trocou as duas motorizações por apenas uma, que conseguia unir os pontos fortes dos dois motores anteriores (1.0 e 1.3): o Zetec Rocam 1.0 8 válvulas, com cabeçote em alumínio, desenvolvia 65 cv e 8,9 mkgf de torque máximo, e contava com o uso inédito e pioneiro do comando de válvulas roletado para o acionamento das válvulas (daí o nome Rocam), o que suavizava o funcionamento e melhorava o rendimento do propulsor. A transmissão manual de cinco marchas era mantida, mas agora com novo escalonamento, mais longo, para aproveitar mais o torque do motor.
A próxima grande novidade veio no ano seguinte, em 2001, com o Ka XR, versão voltada para a esportividade. Com visual exclusivo (contendo spoiler traseiro, saias laterais e rodas de liga-leve aro 14), ela era equipada com uma variação 1.6 8V da moderna “família” Zetec Rocam, entregando 95 cv e excelentes 14,2 mkgf de torque. A transmissão continuava a mesma, mas com nova configuração priorizando o desempenho.
Com esse conjunto aplicado em um carrinho que pesava aproximadamente 930 kg, a diversão era garantida: zero a 100 km/h em pouco menos de 11 segundos e velocidade máxima de 186 km/h, segundo dados da Ford. Na época, números bastante respeitáveis para um hatch das proporções do Ka.
Para meados de 2002, o Ford passaria por sua primeira reestilização, exclusiva para o mercado nacional. Enquanto a dianteira permanecia praticamente sem mudanças (até 2004, quando recebeu para-choque e grade inéditos), a traseira trazia um conjunto óptico totalmente renovado, com lanternas maiores e em novo posicionamento, além de um novo para-choque (pintado na cor da carroceria) e da mudança do alojamento da placa, que subiu para a tampa do porta-malas. Fora o novo visual, mais agradável e harmonioso, o Ka linha 2003 não recebeu nenhuma evolução mecânica, mantendo os bons 1.0 e 1.6 Zetec Rocam, aliados a transmissão manual de cinco velocidades.
Mas, com o passar dos anos e a evolução do mercado, estava na hora do Ka receber sua segunda geração, e assim aconteceu em dezembro de 2007.
Apresentado oficialmente como linha 2009 de fabricação 2008, o Novo Ka também era destinado exclusivamente ao mercado latino-americano, e era literalmente novo: com visual totalmente inédito, trazendo uma aparência mais robusta, ele agora estava maior (22 cm só no comprimento), mais espaçoso (passando a acomodar cinco passageiros, ante quatro da geração anterior), mais moderno (agora com tecnologia flex) e mais potente (rodando também no álcool, os motores 1.0 e 1.6 passaram a desenvolver até 73 cv e 9,4 mkgf de torque/110 cv e 15,8 mkgf de torque com etanol, respectivamente).
Apesar de manter a mesma plataforma de 1997 com diversas melhorias, outro grande avanço desse Ka 2009 foi no porta-malas, que passou a acomodar bons 263 litros, ou seja, 77 litros a mais que a primeira geração. O interior, assim como o exterior, também foi inteiramente revisto, com novos painel, instrumentação e bancos, além de equipamentos inéditos. Falando nos equipamentos, inclusive, ele também passava a trazer alguns itens destacáveis desde a versão de entrada, batizada de Base, como as travas elétricas das portas, alarme e abertura do porta-malas por botão interno. Algumas dessas coisas, sabemos, não são oferecidas de série nem em alguns modelos atuais.
Passados alguns anos, essa segunda geração passava por sua primeira e única revitalização de design, ocorrida em meados de 2011, já como linha 2012. Seguindo o estilo visual Kinetic (o mesmo adotado no recém-chegado New Fiesta e futuro EcoSport 2013), o Kazinho ganhava faróis escurecidos, nova grade dianteira, para-choques inéditos e lanterna com acabamento interno prateado, entre outros. O interior também passava por melhorias, e as rodas também ganharam desenho renovado.
Com os motores e câmbio inalterados em relação aos anos anteriores, uma das grandes novidades do Ford Ka 2012 era a versão Sport: apesar de ser equipada com o mesmo propulsor 1.6 8V do restante da linha (que, tendo uma relação peso potência de 9,0 kg/cv, já dava uma boa dose de fôlego pro carrinho), ela tinha visual mais esportivo, com faixas pela carroceria, lanternas escurecidas e rodas grafite.
A terceira e atual geração
Em 2010, a Ford levou para os Salões um conceito para renovação do Ka. A previsão era de lançá-lo em 2014, e seu design estava com a filosofia do primeiro Ka.
Batizado de Start Concept, foi exibido no Beijing Motor Show para conferir as impressões do público sobre a novidade, e o carrinho chamou bastante atenção dos presentes. O concept foi executado em alumínio, e seu visual futurista mantinha o mesmo espírito inovador em desenho do primeiro Ka, de 1994.
O protótipo foi criado pelo Strategic Concepts Group Studios, da Ford, em Irvine, Califórnia. Os dados divulgados pela marca sobre o Start indicavam motor de três cilindros turbo com injeção direta, e previsão de preços ao redor de US$ 13 mil. Po alguma razão, o desenvolvimento do Ka não seguiu este caminho, talvez por ser muito avançado, enterrando o desenho especialgn do pequeno Ka, em detrimento um carro mais funcional e mais conservador em termos de estilo.
Assim, em julho de 2014, exatos três anos após a apresentação da reestilização de meia-vida da segunda geração, chegava o New Ka, a terceira e atual geração do compacto. Esse novo projeto, desenvolvido no Brasil e mostrado pela primeira vez em 2013, voltava a ser mundial, com pretensões de venda também na Ásia e Europa.
Agora disponível somente com carroceria quatro portas e contando até com variante sedã (que inicialmente se chamava Ka+ e hoje atende pelo nome de Ka Sedan), ele passou a compartilhar a mesma base com o New Fiesta e Novo Ecosport, contando com muito mais tecnologia e imenso avanço nos quesitos dirigibilidade e segurança.
Agora brigando em uma categoria superior, com VW Gol, Chevrolet Onix, Hyundai HB20 e outros, o novo Ford evoluiu em tamanho, além de trazer equipamentos inéditos na categoria, como os controles eletrônicos de estabilidade e tração, e o assistente de partida em rampas.
Mecanicamente falando, também tudo novo: a “família” Zetec Rocam saía de cena, e dava lugar aos novos 1.0 12V, já fazendo parte da era dos três cilindros, unindo economia de combustível com boa potência, afinal ele passava a ser o motor tricilíndrico de 1 litro mais potente do mercado até então: eram 80/85 cv e 10,2/10,7 mkgf de torque (com gasolina/etanol, respectivamente).
Além dele, para as versões mais caras, estava disponível o 1.5 da “família” Sigma, rendendo 105/110 cv e 14,6/14,9 mkgf de torque (também gasolina/etanol). Para ambos os motores, havia uma transmissão de cinco marchas totalmente nova. Com toda essa evolução, o Ka passou a figurar constantemente entre os cinco carros mais vendidos no mercado brasileiro,claro sinal de que o consumidor gostou do que estava sendo oferecido.
Apesar de essa terceira geração ainda ser a mesma que é oferecida atualmente, o modelo passou por uma última revitalização, ocorrida nas carrocerias hatch e sedã em 2018, como linha 2019. Com ela, além do novo visual dianteiro, traseiro e interior, também chegava o tecnológico motor 1.5 três cilindros Dragon, entrando no lugar do 1.5 Sigma, e um inédito câmbio automático de seis marchas.
Esse motor Dragon, fabricado na Índia e também presente no EcoSport atual, desenvolve excelentes 136 cv e 15,3 mkgf de torque com etanol (ou 16,1 mkgf se a transmissão for automática). Fora isso, essa linha 2019 ainda trouxe ao Ka a central multimídia SYNC 2.5 e um ponto extra em segurança, com adição de mais bolsas infláveis opcionais.
Hoje em dia, com cerca de 1,2 milhão de unidades produzidas no Brasil desde seu lançamento, em 1997, o Ka tem seu lugar de destaque na lista dos 10 automóveis mais vendidos no mercado nacional, sempre agradando pela mecânica robusta e dirigibilidade bem acertada.
A geração atual, além do sucesso aqui no Brasil, é vendida em diversos outros países, e mantém sua produção também na Índia, provando que o carrinho caiu no gosto de vários mercados mundo afora. Desde 1996…