Fórmula 1: Senna e Emerson na mesma pista? Isso foi há 40 anos…
Há 40 anos, em 1984, o então novato Ayrton Senna e o já aposentado Emerson Fittipaldi se encontraram pela única vez numa pista de Fórmula 1. Um queria encontrar espaço na categoria, o outro apenas matar a saudade e, caso houvesse um milagre (o carro ser muito rápido e consistente) quem sabe regressar às competições.
da Redação
Esse momento histórico aconteceu no saudoso circuito de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, durante um teste de pneus. Era um autódromo maravilhoso, destruído pela sanha dos políticos. Muitas equipes desembarcavam por lá no início do ano (a pista sediou o GP do Brasil de Fórmula 1 a de 1978 até 1989, exceto em 1979 e 1980), quando a Europa enfrentava o inverno e temperaturas baixas.
Assim, mecânicos, engenheiros e pilotos encontravam no Rio de janeiro muito mais do que pistas secas e calor; havia outros pretextos para irem até lá, como praia, mulheres e clima festivo, que caracterizavam a então “Cidade Maravilhosa”. E como a primeira corrida do ano era ali mesmo, estava encontrada a fórmula de unir trabalho e diversão num mesmo lugar.
Foi antes da corrida de 1981, que o público assistiu a um Fittipaldi F8, branco e ostentando o número 1, dar uma volta lenta pela pista. Era a despedida de Emerson Fittipaldi das pistas, com apenas 34 anos, cansado depois de 10 anos, entre Lotus, McLaren e mais cinco temporadas com a sua própria equipe, onde conseguiu dois heroicos pódios. Pesou nessa decisão a pressão da imprensa não especializada e a perda do patrocínio da cerveja Skol. Ficou mais dois anos junto com Wilsinho Fittipaldi tentando manter a equipe, mas em 1982 desistiram. Emerson foi se divertir em corridas de Super Kart e ao volante de um Fiat Prêmio no Brasileiro de marcas, até uma conversa com Mario Andretti abrir as portas para ele na Fórmula Indy, onde fez carreira tão vitoriosa quanto na Fórmula 1.
Enquanto isso, em 1982, Gordon Coppuck e John Wickham, donos da equipe Spirit de Fórmula 2 e que estavam querendo se aventurar na Fórmula 1, foram procurados por alguns enviados de Soichiro Honda. A Honda estava afastadas da categoria desde 1968, e os japoneses desenvolveram em segredo um motor turbo V6, e queriam torná-lo competitivo. Pelo bom relacionamento com a Spirit na F-2, os britânicos foram os escolhidos. A equipe teve que reformular seu carro para receber o motor Honda e iniciar os primeiros testes dinâmicos.
Em 1984, ofereceram a Emerson -com 37 anos- a oportunidade de testar um carro de Fórmula 1, para sugerir alguns acertos. A equipe era a Spirit-Honda, fundada por Coppuck e Wickham e apresentada na metade de 1983. Veio da Fórmula 2 e era uma espécie de laboratório para o regresso dos motores Honda à Fórmula 1, 15 anos depois dela ter abandonado a categoria. O piloto contratado era o sueco Stefan Johansson. No final daquele ano de 1983, a Honda assinou com a Williams para o fornecimento dos motores RA163E, deu uma ajuda financeira para os britânicos e restou para a Spirit usar os motores da Hart. Para avaliar esse carro, a Spirit contratou Emerson Fittipaldi, para conferir o chassi e suspensões. Muitos acreditaram que poderia marcar a volta de Emerson à categoria, mas isso não se mostrou viável.
O carro estampava patrocínios da STP, Momo, Panasonic e, acredite, Mickey Mouse (Topolino, na Itália) e Super Goofy (Super Pateta). Isso tinha a ver com um dos pilotos de teste da equipe, o italiano, Fúlvio Ballabio. Ele era engenheiro, e tinha fundado a Monte Carlo Automobile, para construir carros esportivos. E mais: era herdeiro da Mondatori, poderoso grupo editorial que tinha os direitos das personagens Disney para Itália (por coincidência, o edifício-sede da empresa, em Milão, foi desenhado por Oscar Niemeyer).
Só que Ballabio não era exatamente um piloto competitivo, muito pelo contrário, apesar de ter conseguido três pontos na temporada de 1983 da Fórmula 2 europeia. A ideia sonhada pela equipe, seria a de ter Emerson correndo como primeiro piloto para ajudar a evoluir o carro e o italiano, que era uma espécie de “pote de ouro” para resolver as pendengas financeiras da equipe.
Logo todos caíram na real. O Spirit 101 tinha desempenho muito ruim e no primeiro dia, os tempos de Emerson foram fracos. O carro era complicado em todos os aspectos e Emerson não estava habituado com motores turbo. No inicio, o piloto brasileiro buscou ajustar, molas, amortecedores e barras estabilizadoras, mas o motor quebrou. No dia seguinte, mais problemas e o bicampeão marcou apenas o 17º tempo entre 21 carros naqueles treinos livres, oito segundos mais lento que os primeiros pilotos. Para deixar as coisas ainda piores, Ballabio foi muito lento e sequer conseguiu a Super Licença para a categoria. Segundo ele, a culpa foi da CSAI, a federação italiana, que não apresentou os documentos necessários na FISA, e a oportunidade ficou para trás. Já com Senna, a situação estava um pouco mais tranquilo, na luta para tornar a Toleman competitiva.
No final dos testes, Emerson declarou: “A minha vontade de voltar a guiar na Fórmula 1 é poder competir. E se eu não tiver chance de competir, e competir bem, não vou voltar. O objetivo de qualquer um na Fórmula 1 é ganhar, e a minha volta como piloto teria que ser para andar entre os principais lá na frente. E se eu não tiver chance de andar entre os principais, não vou voltar”.
Assim, sem Ballabio e muito menos Emerson Fittipaldi, a Spirit teve que se contentar com Mauro Baldi e depois o holandês Huub Rothengarter para a temporada de 1984. O sonho da Spirit de alinhar dois carros com apoio de um patrocinador desabou. O italiano Mauro Baldi havia corrido pela Arrows e Alfa Romeo em 1982 e 1983 e somado cinco pontos na F-1. Baldi conseguiu dois oitavos lugares (África do Sul e San Marino), mas deixou a equipe para dar vaga ao holandês Huub Rothengatter, que trouxe algum dinheiro para a Spirit e marcou oitavos lugares nos GPs da Itália e da Europa.
Até que foi razoável. Baldi voltou em 1985, a Spirit correu apenas os três primeiros GPs e abandonou a Fórmula 1. A equipe acabaria naquele mesmo ano de 1985, depois de três corridas, e o seu contrato para fornecimento de pneus da Pirelli foi repassado para a Toleman, que estava sendo comprada pela Benetton. A Spirit Racing disputou 23 GPs entre 1983 e 1985. Em 3 temporadas, o melhor resultado da equipe foi um 7º lugar de Stefan Johansson no GP da Holanda, em 1983; na época, apenas 6 pilotos pontuavam.
Curiosamente, anos depois, Ballabio e Emerson voltaram a se encontrar -entre 1987 e 1990- na CART. O brasileiro andando na frente, e o italiano, como de hábito, lá atras.