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Os 50 anos do Corvette que quase existiu, com motor central Wankel

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Conhecido como “motor Wankel”, em homenagem ao seu inventor alemão Felix Wankel, este motor rotativo é um propulsor sem pistão, que se tornou lendário entre os fanáticos por carros por conta da Mazda, que apostou na tecnologia e lançou muitas versões de sucesso de carros com unidades rotativas.

por Ricardo Caruso

 Embora este sistema tenha sido aperfeiçoado pela montadora japonesa -que conseguiu vencer Le Mans usando um- ele também foi testado nos Estados Unidos e outras marcas, como American Motors, Mercedes-Benz, NSU, Citroën e GM, entre outras. O exemplo mais notável nos Estados Unidos foi o esforço da GM na década de 1970, que tentou criar um motor rotativo digno de produção, projeto que se misturou com outra ideia ousada, a de um Corvette de motor central.

O desejo de desenvolver um Corvette com motor ao centro não era novidade. Ele vinha sendo pesquisado constantemente desde o final da década de 1950 por uma equipe de engenheiros liderados por Zora Arkus-Duntov. No entanto, todos os protótipos usavam motor central V8, e qualquer outro tipo de motor era considerado indigno do carro.

Foi o caso do Experimental Project 882 (XP-882), um carro-conceito criado no final dos anos 1960 em torno de um motor de oito cilindros montado transversalmente. Dois deles foram construídos em 1969, mas nenhum chegou a ser completamente desenvolvido porque John DeLorean, gerente geral da Chevrolet na época, decidiu cancelar o projeto, acreditando que era muito caro e, em última análise, impraticável.

DeLorean mudaria de ideia algum tempo depois, quando surgiu a notícia de que a Ford estava planejando vender o DeTomaso Pantera nos Estados Unidos, por meio de suas concessionárias Lincoln-Mercury. O chefão chamou Duntov ao seu escritório e disse-lhe para retomar o trabalho no projeto imediatamente, e ter um carro-conceito pronto para o Salão do Automóvel de Nova Iorque de 1970.

O engenheiro entregou o pedido, o carro teve uma recepção positiva do público, e então DeLorean manteve as verbas fluindo para o desenvolvimento posterior. Mais tarde naquele ano, o presidente da GM, Ed Cole, deu sinal verde a um acordo de US$ 50 milhões para obter as licenças necessárias para o desenvolvimento do primeiro Wankel americano produzido em massa, e anunciou que o revolucionário motor estaria disponível para o Chevrolet Vega de 1974.

Como o Vega era um subcompacto meio popular, DeLorean sabia que precisava de um carro melhor para promover o Wankel e fazer com que o público amante dos V8 comprasse. Não havia carro melhor no currículo da Chevrolet do que o Corvette, então, em 1972, Duntov foi instruído a abandonar seus amados V8 e construir um protótipo Corvette Wankel.

O engenheiro estava familiarizado com este motor e acreditava que o projeto básico era ineficiente. Ele também ficou chocado com a ideia de encaixar uma unidade destinada ao humilde Vega no carro-chefe da empresa. Mas, como estava perto da aposentadoria, aceitou o desafio com a condição de que ele fosse montado no meio do chassi.

A tarefa de desenvolver o trem de força foi passada para Gib Hufstader, o mago dos motores da equipe de Duntov, que conseguiu concluí-lo em cerca de dois meses. Ele pegou não um, mas dois motores de rotor duplo e os colocou em cada lado de um eixo que estava conectado à transmissão. Combinados, os dois motores rotativos deslocavam 6,4 litros e produziam cerca de 350 cv. Era o Corvette Four Rotor.

Enquanto isso, Hank Haga e Jerry Palmer foram designados pelo vice-presidente de design da GM, Bill Mitchell, para criar a carroceria do carro. O desenho final foi o resultado de um esforço gigantesco dos dois estilistas e sua equipe. Ele abandonou o estilo “Kammback” que foi usado em excesso durante a época para uma estrutura simplificada inspirada nas “Flechas de Prata” recordistas que a Mercedes-Benz produziu na década de 1930.

Com construção toda em alumínio, apresentava um interessante para-brisa em forma de “V” com inclinação de 72 graus, arcos dos para-lamas discretos mas salientes, portas de duas peças de “asa de gaivota” e um coeficiente de arrasto aerodinâmico de 0,325. Não foi apenas aerodinamicamente eficiente, mas também extremamente bnito, conseguindo cativar a alta cúpula da GM, que estava mais do que animada com o futurista Corvette.

A cabine foi elaborada pelos especialistas da “Chevrolet Interiors”, igualmente sedutora. Ele ostentava sistema de ar-condicionado premium, painel de instrumentos digital que se movia junto com o volante ajustável de três raios e um par de bancos de couro revestidos de camurça e ultra-confortáveis e baixos.

De acordo com a GM, antes da carroceria ser concluída, Duntov e Ed Cole levaram o chassi totalmente funcional ao Michigan Tech Center para testes. Eles conseguiram atingir 148 mph (238 km/h), e o carro ainda podia acelerar mais, mas eles tiveram que diminuir a velocidade por conta da pista acabando. Embora tenha se mostrado excelente em alta velocidade, o motor era supostamente um pesadelo em rotações baixas, mas com o desenvolvimento posterior, Duntov esperava que ele se tornasse suave e confiável.

Durante esse tempo, outro protótipo com uma configuração de dois rotores chamado XP-897 GT também foi construído, embora com uma carroceria diferente. Ambos os carros fizeram sua estreia pública no Salão do Automóvel de Paris de 1973 e passaram a subir ao palco em vários eventos importantes naquele ano. Infelizmente, em 1974, estava claro para todos que o motor Wankel da GM nunca entraria em produção, pois lutava contra o alto consumo de combustível durante um período em que o país passava por uma grande crise do petróleo.

Com Cole aposentado e seu sucessor Pete Estes mostrando pouco interesse no programa, o desenvolvimento dos Corvette com motores rotativos foi interrompido. O protótipo “Four Rotor” foi rebatizado de Aerovette, recebeu um motor 400V8 antiquado (6,8 litros) e foi aprovado para produção em massa em 1980. No entanto, as tentativas da equipe de desenho de tornar a carroceria digna das ruas diminuíram muito a beleza do conceito original. Além disso, o projeto ficou atrasado, estava muito acima do orçamento e, sem o apoio de figuras importantes como Duntov, Mitchell e Cole -todos aposentados- a administração da GM decidiu cancelá-lo.

Outras tentativas de motor central se seguiram, como o Indy ou o CERV III, mas nenhuma saiu da fase de conceito. No entanto, as coisas finalmente mudaram em 2019, quando o Corvette C8 foi apresentado e, um ano depois, o sonho de Duntov de ver um Corvette de motor central produzido em massa finalmente se tornou realidade.

Apesar de seu destino infeliz, o conceito “Four Rotor” de 1973 foi um carro sedutor, mas que nasceu na época errada. Não se pode deixar de perguntar como teria sido uma versão completamente desenvolvida Wankel e central- e como teria se comportado se tivesse sido construída 10 ou 20 anos depois, com novas tecnologias e materiais mais sofisticados.


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