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A inquebrável Mercedes-Benz 190: 50.000 km a 250 km/h!

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A Mercedes-Benz 190, também conhecida por “Baby Benz” é impressionante em todos os sentidos, em especial pelo recorde batido ha 40 anos, em agosto de 1983: rodou 50.000 km a quase 250 km/h! Para os brasileiros, esse modelo da marca alemã se celebrizou quando, na prova “Nurburgring Champions Mercedes-Benz Cup”, o novato Ayrton Senna venceu -em 12 de maio de 1984- nomes como Jack Brabham, Phil Hill, John Surtees, Denny Hulme, James Hunt, Alan Jones, Niki Lauda, Alain Prost, Keke Rosberg, Jody Scheckter, Klaus Ludwig e Stirling Moss. Somavam 17 títulos mundiais na pista, mas Senna, num show de pilotagem, não deu chances para eles. O modelo pilotado por Senna foi uma 190E 2.3 16V Cosworth. Na verdade, ele nem havia sido convidado. Foi chamado às pressas para substituir Emerson Fittipaldi, que teve outros compromissos na data. Mas isso é outra história…

por Ricardo Caruso

A Mercedes-Benz 190 (W 201) marcou época e conquistou, com mérito, um lugar muito especial na história do automóvel. Resultado de durabilidade, desenho e inovação. Percorrer a sua lonfa lista de qualidades não é fácil, mas invariavelmente voltamos ao tema “robustez e confiabilidade”.

Mercedes-Benz 190

Apesar de ser na época a Mercedes-Benz menor e mais barata, mantinha os altos padrões de qualidade da marca alemã. Ao mesmo tempo, era também um carro muito tecnológico. Foi, por exemplo, o primeiro modelo da marca a usar suspensão multilink no eixo traseiro.

Mercedes-Benz 190 recorde Nardo
O registro do momento do estabelecimento do recorde.

Para demonstrar com precisão a robustez do polêmico “Baby-Benz”, a Mercedes-Benz pensou grande e colocou um objetivo alto: bater o recorde mundial do carro mais rápido a percorrer 50.000 km. Afinal, naqueles tempos um recorde ficava sempre bem numa qualquer campanha de marketing.

201 horas a 247,939 km/h = 50.000 km

Para conseguir bater o recorde, parte da equipe técnica da Mercedes-Benz deslocou-se até o anel externo da pista de Nardo, na Itália, perto da província de Lecce (o local hoje é propriedade da Porsche). Era o mês de agosto de 1983 e as temperaturas estavam altas, passando dos 40º C. Como se pode imaginar, não foram os 190 D (diesel) de táxi os escolhidos para bater o recorde.

A Mercedes-Benz apostou naquele que seria o futuro top de linha de gama, o 190 E 2.3-16. Futuro, porque só iria ser apresentado ao público algumas semanas depois, no Salão de Frankfurt, na Alemanha. Assim, no dia 21 de agosto o recorde absoluto dos 50.000 km foi batido pela Mercedes-Benz 190 E 2.3-16: foi preciso 201 horas, 39 minutos e 43 segundos (oito dias e uns quebrados), traduzindo-se na média de 247,939 km/h. Prestou atenção nas sugestivas 201 horas? Não foi coincidência o número de horas (201) ser o mesmo do código da geração do modelo (W 201). A famosa precisão germânica!

Para chegar a esse feito histórico, a marca se apresentou com três carros na pista de Nardo e voltou para casa não com um, e sim com três recordes mundiais (25.000 km, 25.000 milhas e 50.000 km) e com nove recordes internacionais na classe acima dos dois litros.

Um dos 190, identificado com uma marcação vermelha (é possível ver nas fotos de perfil e nos faróis dianteiros), estava preparado para surgir junto do público como o novo recordista mundial. Um outro 190, com uma marca branca, também cumpriu os 50.000 km, ainda que com 1 km/h a menos de média.

Mercedes-Benz 190 recorde Nardo
Ao volante estiveram seis pilotos por cada equipe/carro, quase todos engenheiros e técnicos da Mercedes-Benz, que iam cumprindo turnos de condução de duas horas e meia.

O terceiro 190, com uma marca verde, justamente aquele que estava mais próximo da versão final de produção —veja mais abaixo as modificações efetuadas nestes 190—, foi o único que apresentou problema. A pouco mais de 1000 km do fim do evento foi obrigado a parar durante algum tempo com problemas na ignição, o que fez com que a média final fosse de “apenas” 242 km/h.

Além dos reabastecimentos, que duravam entre 18s e 28s, os três carros faziam paradas de cinco minutos a cada 8500 km, para que os pneus traseiros e o filtro de óleo fossem substituídos e para que pudesse ser feito um controle da regulagem das válvulas.

Mercedes-Benz 190 recorde Nardo
Os pneus dianteiros eram trocados a cada 17.000 km, ou seja, a cada segunda parada de cinco minutos.

Uma das condições impostas para a efetivação dos recordes era que qualquer avaria só podia ser reparada com o material existente no interior do carro. Por outro lado, a carga transportada não podia ser mais do que 5% superior ao peso total. Desse modo, cada 190 levava, no banco traseiro, um cabeçote de motor completo, um alternador, um disco de embreagem e dois vidros de farol, bem como os equipamentos técnicos usados para registrar todos os dados.

Os três carros levados a Nardo para este exaustivo desafio, não eram totalmente de série. Eram permitidas algumas alterações, sem que isso afetasse a validade do recorde mundial, mas no motor não era permitido mudar nada. O motor destes Mercedes-Benz 190 E 2.3-16 era aspirado, de 2.300 cm3 de capacidade, quatro cilindros em linha e 16 válvulas, com 185 cv de potência máxima e 23,5 mkgf de torque máximo, exatamente o mesmo do modelo que ia ser lançado em poucos dias. Este motor se destacava-se pelo cabeçote de quatro válvulas por cilindro —solução incomum naqueles tempos—, desenvolvido pela Cosworth e inspirada no cabeçote do motor Cosworth DFV de Fórmula 1.

A transmissão era com tração traseira e feita por meio de uma caixa de câmbio manual da Getrag de cinco velocidades, que permitia ao 190 E 2.3-16 acelerar até os 230 km/h. Como assim 230 km/h? A velocidade média do recorde foi de praticamente 248 km/h. Onde foram buscar os km/h adicionais?

Mercedes-Benz 190 recorde Nardo 6
Pit stop no estilo Fórmula 1 da época: os reabastecimentos duravam entre 18s a 28s.

Como falamos antes, eram permitidas algumas alterações no carro, mas o motor não podia ser mexido (mantinha os 185 cv de série), e os engenheiros conseguiram elevar a velocidade máxima com um recurso muito simples: mudando a relação do diferencial por outra mais longa (2,65:1). Depois que os computadores calcularam o percurso, incluindo inclinação e declinação (80 metros de diferença de altitude entre o ponto mais alto e o mais baixo da pista), ele decidiu pela relação final de 2,65:1, a melhor opção, porque isso manteve as rotações entre 5.500 rpm (subida) e 6.100 rpm (descida). Também foram feitas algumas modificações da aerodinâmico: o spoiler dianteiro foi alongado em 20 mm e a altura ao solo foi reduzida em 15 mm. O radiador perdeu a ventoinha (desnecessária a altas velocidades) e podia ter a passagem de ar parcialmente fechada pelo piloto a partir do interior do carro. Isto resultou no aumento da velocidade máxima dos 230 km/h para 265 km/h. E com apenas 185 cv!

Às 22 horas horas, a prova começou: os três veículos partiram, tendo os seis pilotos disponíveis por carro e 60 mecânicos de prontidão, monitorados por 108 comissários que acompanhavam atentamente tudo o que estava acontecendo. Após 1000 km, o primeiro recorde internacional foi quebrado, com 247,094 km/h. E assim foi: 1000 milhas, 5000 km, 5000 milhas, 10.000 km, 10.000 milhas, 25.000 km, 25.000 milhas, 50.000 km, o recorde de 6 horas, o recorde de 12 horas, o recorde de 24 horas… nada podia parar os Mercedes 190. 

Uma das razões para que a Mercedes-Benz tenha optado pela introdução da tecnologia de 16 válvulas e evitado o uso de turbocompressor foi o consumo. Quem explicou isso foi Werner Breitschwerdt, então responsável pelos estudos e desenvolvimento de projetos da Daimler-Benz, que afirmava: “com um turbo o consumo seria mais elevado”, como se pode ler no press release da época.

A Mercedes-Benz anunciava consumos entre 14,2 km/litro de gasolina à velocidade de 90 km/h e 8 km/litro em ciclo urbano para o 190 E 2.3-16. Durante este recorde, o consumo médio final obviamente foi bem maior: 4,54 km/litro. Pode parecer um número de consumo elevado, mas se pensarmos que foram 50.000 km (3956 voltas) de pé embaixo, a uma média de quase 250 km/h, percebemos que na verdade foi um consumo muito interessante. E a cada 25.000 km, os pilotos apertavam um botão no painel para adicionar de 300 ml a 1 litro de óleo ao motor, a partir de um reservatório extra.

Mercedes-Benz 190 recorde Nardo
Para reduzir o número de paradas de reabastecimento foi instalado um segundo depósito de combustível no porta-malas, elevando para 160 litros a quantidade de gasolina que a 190 podia transportar.

Além de estabelecer três novos recordes mundiais e nove recordes internacionais, esta aventura em Nardo permitiu ao fabricante alemão tirar todas as dúvidas que pudessem existir sobre a 190 E 2.3-16. A Mercedes-Benz percebeu que esta era mesmo a sua melhor configuração para atacar a hegemonia da BMW na categoria de sedãs médios, onde reinava com o seu Série 3. E a aposta deu certo…


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