Audi: como surgiu o sistema de tração Quattro
A história do sistema Quattro da Audi, de tração nas quatro rodas, o mais conhecido do mundo, começou na década de 1970, graças ao engenheiro de suspensões Jorg Bensinger. Naquela época, Bensinger testava um Volkswagen Iltis no inverno rigoroso aa Finlândia, e descobriu as qualidades da tração integral.
O VW Iltis era um jipe da marca alemã, que tinha sido desenvolvido para ser usado pelos militares alemães em condições de fora de estrada e era uma “arma” eficaz em pisos com pouca aderência, como os cobertos por neve e lama. Nenhum carro ou jipe na época, por mais potente que fosse, conseguia enfrentar de igual para igual o Iltis.
Bensinger estava interessado nas qualidades do sistema de trcção integral, e teve a ideia de produzir um veículo de rua com este sistema. Assim, em 1977 apresentou o conceito a Ferdinand Piech, que era então o diretor do departamento técnico na Audi.
Piech gostou e autorizou o desenvolvimento, com testes usando como “mula” vários Audi 80. A primeiro 80 recebeu o nome de código “A1” que significava “Allrad” ou seja “todas as rodas”, dentro do conceito do VW Iltis, equipado com um deferencial central.
Depois foram outros protótipos que receberam este conceito. Piech e os seus engenheiros procuravam peças tanto na Audi como na Volkswagen para o seu desenvolvimento. A versão de testes mais equipada usava a suspensão e a transmissão de Audi 100, algumas peças do Audi 80, motor de 5 cilindros turbo e a mesma carroceria que pouco depois seria lançada no Audi 80 cupê.
Em setembro de 1977, todos estes desenvolvimentos receberam a aprovação por parte da administração da Audi. Depois disso seguiu-se uma bateria de testes de desenvolvimento no inverno em Turracher Höhe, uma das mais altas montanha da Europa, que tinha estradas muito inclinadas, e isso proporcionava o terreno indicado para os testes. A própria Volkswagen também acompanhou estes testes. E os resultados foram muito positivos, com o carro se dando bem na viagem, em condições precárias de aderência, com muita neve e 23% de inclinação, sem usar pneus de neve ou correntes.
Os detalhes e a própria aprovação e desenvolvimento deste processo é uma história interessante. Um executivo da VW tinha dúvidas se a empresa conseguiria rentabilizar os elevados custos de desenvolvimento do sistema Quattro. Mas Piech colocou mãos à obra para provar que valeria a pena, e elaborou um pequeno teste para comprovar a eficácia do sistema de tração total. Numa subida com grama molhada, colocou um dos executivos da administração Volkswagen num Audi 80 de tração dianteira, e ele mesmo ficou ao seu lado, num protótipo Quattro. Como era de se esperar, Piech no seu Quattro chegou ao alto da subida e o Audi 80 não saiu do lugar.
O diretor do desenvolvimento da VW, Ernst Fiala, pegou o carro por um fim-de-semana e o emprestou à sua mulher para que ela fosse às compras com ele. Quando a sua mulher voltou para casa, reclamou que o carro não tinha um comportamento dinâmico adequado. Fiala acabou por trazer o carro para a empresa, para que os seus engenheiros mecânicos instalassem um diferencial central.
As curiosidades não ficam por aqui, e houve outros trabalhos de desenvolvimentos interessantes nesta história. E surgiu o que seriaa uma das mais brilhantes soluções da indústria automotiva no século 20. O sistema Quattro longitudinal com o diferencial central foi montado na parte de trás da caixa de câmbio, e o eixo cardã do câmbio é essencialmente uma extensão do virabrequim. O eixo principal conduz a um segundo eixo secundário que por sua vez move o diferencial. Mas mais interessante e engenhoso é que um terceiro eixo rígido está por dentro do segundo eixo secundário, transmitindo assim potência para o eixo frontal. É no fundo um eixo dentro de outro eixo, que impressionou a todos e que permitia ao sistema Quattro ser tão compacto, que caberia até numa mala pequena.
O automóvel que saiu destes desenvolvimentos, era essencialmente um Audi Coupé muito bem desenhado com aspecto visual musculoso e agressivo, devido em parte aos alargamentos dos para-lamas.
Foi em 1980 que este modelo chegou aos Salões do Automóvel na Europa para ser visto e admirado. Estava equipado com motor de 2.1 litros, de 10 válvulas, com turbocompressor e intercooler, oferecendo potência máxima de 197 cv e torque máximo de 28 mkgf. A aceleração de zero a 100 km/h era efectuado em pouco mais de 7 segundos, e seu desempenho em condições de pouca aderência, fosse neve, chuva ou terra, eram notáveis, e o mundo se rendeu à sua capacidade.
A Audi decidiu entrar nos ralis, e ninguém poderia imaginar o impacto que isso iria causar para os anos seguintes e nem a importância que este sistema Quattro iria alcançar. Foi de certa forma um enorme sucesso esportivo e financeiro para a marca alemã.
Quando a Audi ingressou de forma oficial no mundial de rali em 1981, os carros com tração nas quatro rodas não existiam na competição. Essa tecnologia só tinha feito algumas aparições no mundo esportivo, e era algo que ainda ninguém explorava. Em termos publicitários isso valeu muito para a Audi, que assim demonstrou ao mundo o todo o potencial do sistema Quattro.
E quando a Audi iniciou a competição no Campeonato Mundial de Ralis, o sucesso do Quattro foi no mínimo “monstruoso” em resultados. O carro dominou por completo a categoria, onde os primeiros anos foram de domínio avassalador.
Nessa onda de sucessos, houve a revelação de um piloto mulher. Michele Mouton foi a primeira mulher a ganhar um mundial de ralis, e isso ao volante do Audi Quattro. Na esteira veio o sucesso de outros grandes pilotos, como Stig Blomqvist, Hannu Mikkola e Walter Röhrl.
Porém os capítulos do sucesso não ficaram por aqui. A medida que o campeonato evoluía e permitia o desenvolvimento dos automóveis que nele participavam, outras marcas começaram a desenvolver os seus modelos para competir de igual para igual com a Audi. Mas essa concorrência só fez a Audi ir além na evolução de seus modelos.
Estava assim lançada a base para a criação do Grupo B de rali em meados dos anos 1980. Na época, uma vez que o regulamento do novo campeonato era extremamente aberto e permissivo, a Audi criou uma versão mais curta do Quattro com que tinha obtido tanto sucesso nos anos anteriores. Era o Sport Quattro S1, que se não foi tão avassalador em termos de conquistas e vitórias, era tão imponente e espetacular quanto o modelo anterior. E tinha a enorme vantagem de poder ser construído a partir de um Audi Quattro Coupé normal.
A plataforma era despida de tudo que não era necessário para competição, cortava-se o chassi alguns centímetros para obter o entre-eixos mais curto, montava-se uma carroceria em kevlar e fibra de carbono, motor com bloco de alumínio com cerca de 500 cv, e pronto. Com um peso na faixa dos 1000 kg, a relação peso/potência tornava o carro endiabrado. Pilotos como Blomqvist e John Buffum chegaram confessar o medo que sentiam quando pilotavam o S1, mas isso não os impediu de vencer muitas vezes.
Quando a Audi saiu dos ralis, em especial do saudoso grupo B, a área de motosport da marca não terminou o seu ciclo. Em 1988 os Audi 200 Trans-Am, que surgiram dos anos de desenvolvimento nos ralis, eram enormes, potentes automóveis de tração nas quatro rodas, que eram tão rápidos que foram banidos da categoria em menos de um ano da sua chegada a este campeonato. O modelo de 720 cv (IMSA) que chegou em 1989 era mais avançado tecnologicamente e se tornou um carro fácil de modificar, derivado de um Grupo B de rali. Era equipado com motor de cinco cilindros, um complexo chassi tubular e carroceria de fibra de carbono.
Eram Audi 90 Quattro muito agressivos visual e mecanicamente. Estes não chegaram a ser banidos, e alcançaram bastante sucesso na Trans-Am.
Depois de uma carreira de sucesso, que terminou antes do previsto, com o recorde de sete vitórias, a Audi acabou abandonarndo este campeonato, mudando-se para o campeonato alemão de carros de Turismo, mais conhecido por DTM.
Relembrar esta história é necessário para realçar o que foi feito no passado para que o sistema Quattro tornasse a Audi pioneira na adoção com sucesso da tração integral em competição. A grande importância que teve o sucesso do sistema de tracção integral nos mundiais de rali, lançou a Audi para caminhos nunca antes explorados, com enorme repercussão mundial. A tecnologia criada há mais de 30 anos ainda hoje é marca registrada e decisiva para o carisma e sucesso da marca não só em termos esportivos como do ponto de vista financeiro.
A trajetória para chegar a isso foi muito interessante e só revela as grandes mentes que estiveram por trás do refinamento desta tecnologia e seu desenvolvimento. O que a Audi é hoje em muito se deve à determinação e ao atrevimento de entusiastas ligados ao grupo VW. Afinal, a saga Quattro continua…