Há 65 anos: Le Mans 1955, a tragédia que mudou o automobilismo
Nem só de glórias, vitórias e sucesso vive a “24 Horas de Le Mans”. A edição de 1955 é lembrada como o momento mais triste da história do automobilismo.
Tudo aconteceu na entrada da reta das boxes. O Jaguar de Hawthorne freou inesperadamente. Mike Hawthorne tinha freios a disco e o seu poder de frenagem era bem mais eficaz do que os freios do carro de Lance Macklin. Os segundos que se seguiram em Le Mans se tornaram o mais sombrio da história das competições, com quase uma centena de mortos espalhados pelo chão.
Há 65 anos, aquele sábado, 11 de junho de 1955, parecia que ia ser grandioso. Mais de 250 mil pessoas vibravam e aplaudiam os pilotos que partiam para mais uma edição da “24 Horas de Le Mans”.
Os nomes que se preparavam para a largada faziam prever fortes emoções: Juan Manuel Fangio e o companheiro de equipe Stirling Moss estavam ao volante de uma Mercedes 300 SLR; Mike Hawthorn ia a bordo de um Jaguar D-Type. A Ferrari, Aston Martin, Maserati, Jaguar e Mercedes que lutavam pelo pódio, seguiam todas muito próximas umas das outras. Simplesmente memorável.
No início da 35ª volta, Hawthorne (Jaguar) e Fangio (Mercedes) assumiram o controle da corrida, posicionados no primeiro e segundo lugares, respectivamente. Pela frente, iam encontrando os carros mais lentos, que iam superando a velocidades superiores a 240 km/h; nas partes mais rápidas do traçado, chegavam a atingir 280 km/h.
À saída da última curva antes da reta das boxes, Hawthorne encontrou o mais lento Austin-Healey 100, de Lance Macklin e passou por ele com facilidade com seu Jaguar D-Type. Quando estava à frente de Macklin, freou forte para entrar nos boxes, quase esquecendo da necessidade de reabastecer.
Atrás de Hawthorne, o Austin-Healey 100 de Macklintentou frear diante da desaceleração inesperada do carro da frente. Numa tentativa de evitar o choque, Macklin desviou para esquerda do Jaguar D-Type, sem perceber que era seguido por outros dois carros.
Atrás estava Pierre Levegh, ao comandos do número 20 (outro Mercedes 300 SLR da equipe Daimler-Benz) e que seguia à frente de Fangio na pista naquele momento. Fangio, que tinha o 2º lugar na classificação, se preparava para ultrapassar Levegh.
Levegh não conseguiu evitar o choque com o Austin-Healey 100 e acabou por bater contra o lado esquerdo da traseira do carro de Macklin a mais de 240 km/h. O carro de Macklin transformou-se numa rampa, e o Mercedes 300 SLR levantou voo em direção à multidão.
Ao bater na traseira do Austin-Healey, várias partes do Mercedes voaram em direção ao público. O capô atingiu vários espectadores literalmente como uma guilhotina, o eixo da frente e o bloco do motor também foram projetados contra aqueles que assistiam à corrida. Peças de magnésio pegaram fogo com facilidade. Neste momento Pierre Levegh foi projetado para fora de seu carro, tendo tido morte imediata. O Mercedes 300 SLR caiu junto do público e, com o tanque de combustível rompido, pouco tempo demorou para iniciar um grande incêndio.
As equipes de resgate desconheciam que o chassi que estava pegando fogo era de magnésio. Ao tentar apagar o fogo com água, foi como jogar gasolina em uma fogueira, e o incêndio só foi totalmente debelado depois de mais de oito horas.
Na pista, a corrida continuava, e após a passagem dos carros mais rápidos, a organização removeu o Austin-Healey de Macklin do meio da pista. Os números que chegaram aos diretores da prova eram assustadores: 84 mortos (incluindo Levegh) e 120 feridos. O número exato de mortos nunca foi conhecido, podendo chegar a 120 pessoas.
Para não prejudicar o acesso das ambulâncias ao circuito, com a fuga de uma multidão de espetadores, a organização decidiu continuar a corrida. Naquela noite, às 00h00, após uma reunião entre os diretores da Daimler-Benz, a Mercedes abandona a prova.
Eles estavam liderando a corrida, já a Jaguar recusou-se a abandonar e venceu a “24 Horas de Le Mans” em 1955.
No dia seguinte os jornais mostravam as imagens da tragédia e ao lado destas ficava um registo de Hawthorn sorrindo e bebendo champanhe.
Este acidente trágico levou algumas marcas a tomarem decisões radicais, e não só marcas: a Suíça, por exemplo, baniu o automobilismo. A Mercedes abandonou as competições e só voltou a se envolver diretamente numa prova em 1987, e a Jaguar, provavelmente arrependida pela sua decisão de continuar na competição, esteve 30 anos fora de Le Mans. Alemanha, Espanha e França também impediram a realização de provas nos seus territórios, decisão que revogaram anos mais tarde.
Para a memória futura ficam as imagens e as palavras, registros de um tempo em que a velocidade e a segurança não eram obrigadas a andar lado a lado. A paixão do homem pela velocidade e altas doses de adrenalina mantém-se, e cabe a todos envolvidos com as corridas, inclusive os fãs, que nem sempre foi uma prioridade nos protegermos dos riscos.