Classic Cars

Soybean, o “carro sintético” da Ford

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Como sempre afirmamos, nada do que vemos hoje em termos de automóvel é exatamente novo. Tudo o que as indústrias teimam em alardear como grandes avanços técnicos não passam, na maioria das vezes, do resultado do desenvolvimento e aplicação de alguma invenção do século 19 ou 20. Para comprovar isso, vamos começar por aqui:

Linho – O Linium Usitatissimum, mais conhecido como linho, é uma planta herbácea oriunda dos países mais frios, com grande número de subespécies, composta basicamente de uma substância fibrosa que, processada, origina uma longa fibra utilizada na fabricação de tecido, além da extração do óleo de Linhaça de suas sementes.

Rami – O Boehmeria Nivea, cujo nome popular é Rami, planta herbácea nativa do leste da Ásia, é uma planta de aplicação têxtil também utilizada como forrageira, tem crescimento perene e atinge entre 1,0 a 2,5 m de altura, folhas entre 7 a 15 cm de comprimento e 6 a 12 cm de largura.

Hemp – O Hemp é um termo comumente usado para algumas variedades da planta Cannabis (Ruderalis, Índica e Sativa), muito utilizada para a fabricação de cânhamo, nome da fibra industrial obtida da Cannabis Ruderalis, aplicada na produção de tecidos, cordas, papel e combustível. A Cannabis Índica fornece sementes e óleos de sementes para fins medicinais e a Sativa todo mundo sabe para que serve…

Soja – A Glycine Max ou popularmente soja, feijão-soja e feijão-chinês, é uma planta da família Fabaceae, a mesma do feijão, lentilha e ervilha. É empregada na alimentação humana e animal. A Fibra de Soja é uma fibra têxtil extraída do resíduo da semente de soja após a extração do óleo.

Bioplástico – O Bioplástico é derivado de fontes de biomassa, como gorduras, óleos vegetais, amido de milho, amido de ervilha, microbiotas (microorganismos que se alimentam dos restos de seus hospedeiros) e fibras de plantas têxteis, entre outros. O Bioplástico tanto pode ser obtido a partir de produtos agrícolas, como também a partir da reciclagem de garrafas e outros recipientes de plástico de base biológica, podendo ser composto de celulose, amido, biopolímeros e uma variedade de outras materias primas, o que o diferencia do Polimero Petrobased, plástico comum derivado de combustível fóssil.

Resina – A Resina Fenólica (fenol-formaldeído) é um polímero sintético, obtido por meio da reação do fenol com o formaldeído, composto orgânico de ocorrência natural, precursor importante para muitos outros materiais e compostos químicos, utilizado principalmente na produção de resinas industriais para a produção de objetos moldados como bolas de bilhar e, na sua forma mais conhecida, o baquelite, é a resina sintética comercial mais utilizada.

Resumindo, juntando tudo isso, com as fórmulas certinhas e equipamento apropriado podemos, por exemplo, criar chapas de plástico ultra-resistentes e maleáveis, lisas, perfeitas para diversos fins em substituição as chapas metálias? Sim, podemos! Excelente. Então a tecnologia atingiu esse nível e a natureza poderá ser melhor preservada, os preços dos produtos irão diminuir sensivelmente e o mundo ficará melhor para se viver? Podemos comemorar? Não. Essa tecnologia já foi celebrada há anos, em 1941, com a apresentação do Ford Soybean Car. Ninguém a aproveitou posteriormente, pois com sabemos, a indústria do aço é gigante, movimenta bilhões de dólares, sustenta alguns países e nem sempre o que é bom demais para todo mundo é bom demais para meia dúzia. Portanto, os plásticos (ou polímeros, como a indústria gosta de nomear) especiais, biodegradáveis, originados por biomassa não é absolutamente nenhuma novidade. 

O Ford Soybean Car

Várias razões levaram Henry Ford a querer produzir o Soybean Car. Visionário sagaz que era, enxergava que um projeto que combinasse a indústria com a agricultura seria o caminho do futuro, e acreditava que os painéis de plástico fariam os carros mais seguros do que os carros de aço tradicionais, pois poderiam capotar sem serem tão deformados e, devido a escassez na época, esperava que seu novo material plástico pudesse substituir o metal tradicional nos carros e outros fins. Ele não estava sendo ecologicamente correto, apenas estava sendo empresário.

Ford então escalou o projetista Eugene T. Gregorie e seu departamento de desenho para desenvolver o Soybean Car mas, no final, não ficou satisfeito com o projeto proposto e passou a incumbência de criar uma carroceria inteira sem utilizar aço para o seu Laboratório de Soja, em Greenfield Village, colado em Detroit, sob a batuta do ferramenteiro Lowell E. Overly. Auxiliado pelo químico Robert A. Boyer e pelo botânico George Washington Carver, criou uma estrutura em aço tubular onde foram fixados 14 painéis de bioplástico feitos de uma fórmula química que, entre muitos outros ingredientes, incluía soja, cânhamo, linho, rami e resina fenólica com formaldeído na impregnação, com 6 mm de espessura. Dessa forma, e com os “vidros” feitos de acrílico, o Soybean Car pesava 453 a menos do que pesaria se fosse produzido em aço convencional, e era equipado com motor 3.6V8 “221” Flathead com 60 cv de potência máxima. O protótipo acabado foi exibido em 1941 no festival Dearborn Days e no Michigan Fair Gorunds.

O ingresso dos Estados Unidos na guerra resultou em parada quase absoluta da indústria automotiva, que se reorganizou para a produção em massa de tanques, blindados, navios, aviões, armamentos e munições para abastecer tanto suas próprias forças quanto as necessidades dos Aliados. Assim, todas as atenções das engenharias foram voltadas ao desenvolvimento e aprimoramento de produtos bélicos para superar os inimigos, o que levou o projeto do Soybean Car a um impasse momentâneo e ao total esquecimento findo o conflito.

O protótipo, até então aguardando desenvolvimento, foi inteiramente destruído por Eugene T. Gregorie, restando apenas escassas fotografias e mais raras ainda referências técnicas sobre sua construção. Tão esperto no marketing quanto em seus projetos revolucionários, Ford imortalizou a cena em que com um machado tenta destruir o plástico que desenvolveu, causando grande impacto por sua “coragem” e pelo fato de, realmente, o material ter resistido aos golpes afiados sem nenhum dano. Porém, não é uma imagem do “Carro de Soja” (maldosamente apelidado, também, de Hemp Car…). Era na verdade o  carro de uso pessoal de Ford, com a tampa traseira de plástico, e o machado que ele usou tinha lâmina de borracha, que o fez voar a quase 5 metros de distância ao primeiro golpe…

Você pode dizer: “ah, mas carro de plástico não presta”, e eu respondo perguntando: “… e do que você acha que é feito o Chevrolet Corvette”? E o Puma, e partes do Fiat Tipo, e o capô do Mustang….

– por Renato Pereira, especial para AUTO&TÉCNICA


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