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60 anos da morte de Christian Heins, o “Bino”

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Você ouviu falar de Christian Heins? E do “Bino”? Ele foi um dos pilotos mais importantes da história do automobilismo do Brasil. Bino, como era carinhosamente chamado, era filho de um empresário alemão bem sucedido no ramo de lavanderias industriais -Carl Heinrich Christian Heins- e da italiana Giuliana de Fiori Heins. Nasceu no bairro do Brooklin em São Paulo, SP, em 16 de janeiro de 1935 e faleceu há exatos 60 anos, num terrível acidente na “24 Horas de Le Mans, em 15 de junho de 1963.

por Ricardo Caruso

Seu avô materno era um conhecido médico, morava perto e foi brincando nos carros do avô que Christian começou a se interessar, ainda criança, por mecânica. Mais adiante, foi o avô que o ensinou a dirigir, num Ford Anglia do avô, carro que Bino capotou numa rua do bairro.

Estudou no Colégio Visconde de Porto Seguro, como convinha a todo descendente de alemão com alum dinheiro. No início de 1953, foi para Stuttgart, na Alemanha, para cursar a “Technische Hochschule” (Escola Técnica de Nível Superior), ao mesmo tempo em que conseguiu um estágio no curso para estrangeiros da Mercedes Benz. Dali, foi trabalhar na Mahle, fábrica de pistões também em Stuttgart.

Começou a correr jovem, aos 19 anos de idade, em 1954. No inicio usou o apelido “Cometa”, pois era assim que seus amigos o chamavam devido ao seu jeitão de caminhar rápido, quase correndo.

Seu pai não só não concordava com a escolha de Bino, como também não o ajudou financeiramente. Patrocínio era algo inexistente, mas Christian conseguiu, pois tinha algum dinheiro guardado, apoio do avô e conhecimento de mecânica. Sem contar a paixão pela velocidade. Entre os pilotos da época ele era o mais novo, e assim ganhou seu apelido, pois era considerado ainda um garoto e começou a ser chamado de “Bambino” (garoto, em italiano) que logo acabou abreviado para “Bino”.

GALERIA DE FOTOS – ÁLBUM DE FAMÍLIA

Este material quase 100% inédito é um verdadeiro tesouro da história do automobilismo brasileiro, e pertencia à família do piloto. Parte dele hoje é do nosso acervo (inclusive seu próprio álbum de recortes de Le Mans 1963) e, antes que desapareça, fica aqui o registro de AUTO&TÉCNICA, para que não se perca esta parte importante da memória do esporte nacional.

Para correr o “GP IV Centenário de São Paulo” em 1954, o alemão Hans Stuck (pai do Hans Stuck que andou de Fórmula 1 nos anos 1970 e 1980) trouxe um Porsche 550 RS que acabou ficando no Brasil. Christian comprou o caro e passou correr com ele.

Em 1956, ele, seu amigo Eugenio Martins e Jorge Lettry participaram de uma prova para testar os carros da Volkswagen em corrida. Era a prova Niterói-Cabo Frio; ele não terminou, mas Lettry chegou em segundo lugar.

Depois disso voltou a usar o Porsche. Em novembro disputou a primeira edição da “Mil Milhas Brasileiras”, em Interlagos, fazendo dupla com Eugênio Martins. Terminaram em segundo lugar com um Fusca/Porsche. Nessa prova usaram um Fusca 1200 1952 preparado por seu amigo Jorge Lettry em sua oficina Argos Equipamentos, com todas as peças internas do motor do Porsche 550 1500, com potência de 74 cv, fazendo frente para as “carreteras”, que eram carrocerias velhas com motores V8 de mais de 250 cv e pouco peso.

Em 1957 Bino participou de sua primeira prova internacional, o “Mil Quilômetros de Buenos Aires”, prova de abertura do Campeonato Mundial de Marcas. Terminou em 19º lugar na geral, dividindo o Porsche 550 RS com Ciro Cayres.


Entre 1958 e 1959 Christian ficou na Europa, e por lá participou de 14 provas: oito na Itália, uma na Inglaterra, duas na Alemanha, uma na Belgica e duas na França. Mas quando vinha de férias no final de ano para o Brasil, dava um jeito de participar de pelo menos uma prova em cada ano.

Christian evoluiu rapidamente como piloto, graças à experiência internacional e aos seus conhecimentos de mecânica. Apresentado pelo presidente da Mahle do Brasil, vizinho e amigo da sua família, foi contratado pela Porsche, também em Stuttgart, começando a trabalhar como mecânico e logo ingressando na equipe da fábrica como piloto, onde ficou de 1957 a 1959.

Nesse período, ganhou diversos prêmios e troféus por suas vitórias e classificações. Participou de várias provas de Subida de Montanha, provas em circuitos de rua e em autódromos, inclusive em Spa-Francorchamps (onde sofreu acidente na Eau Rouge), Nürburgring e Le Mans em 1959. Veja o vídeo
do acidente de Christian em Spa-Francorchamps (clique aqui)

 
 

Em janeiro de 1960 participou com um carro da categoria Mecânica Nacional do “II Torneio Sulamericano”, na prova realizada em  Interlagos, com uma nada nacional  Ferrari/Corvette 4.500, nº 8, e chegou em  4º lugar. Na véspera aconteceram, além da prova de classificação, duas corridas: Turismo até 2 litros e Turismo Força Livre, provas simultâneas mas com classificação em separado. Bino, Eugênio Martins e Mario Cesar de Camargo Filho se  inscreveram para as duas, e Christian terminou em 2º lugar na TFL e venceu na T-2.0.

Durante seu período no Exterior, várias vezes veio ao Brasil convidado para participar de provas. Em 1960, numa de suas voltas para o Brasil, Christian trouxe uma namorada alemã, Maria Waltraud. Morando na Europa e viajando constantemente para o Brasil, ia deixando seus troféus em sua casa na Europa. Numa de suas vindas em 1960, trouxe todos os troféus, que acabaram apreendidos pela alfândega por -acredite- suspeita de contrabando…

Seus amigos e família, é claro, ficaram indignados. Sua irmã, revoltada, escreveu uma carta para o então presidente da república, Juscelino Kubitschek, pedindo providencias. JK respondeu por meio de um telegrama, pedindo desculpas e dizendo que, para ele. Christian era um “monumento nacional” e que os troféus já estavam devidamente liberados e podiam ser retirados. O presidente aproveitou para mandar parabéns ao Bino por suas conquistas na Europa e também no Brasil. Pelé e Maria Ester Bueno (tenista) eram considerados pela imprensa os outros “monumentos” da época.

Naquele mesmo ano de 1960, disputou novamente o “Mil Quilômetros de Buenos Aires”. Terminou em 4º lugar na geral, dividindo uma Maserati 300S com Celso Lara Barberis.

Finalmente Christian regressou de vez ao Brasil para dedicar-se exclusivamente ao automobilismo, correndo inicialmente pela equipe “Serva Ribeiro”, revendedor Vemag da época, comandada por seu amigo Jorge Lettry. Ficou ali até os treinos da “V Mil Milhas Brasileiras” em 1960, que ira correr em dupla com Eugênio Martins, mas após uma discussão com o chefe de equipe, abandonou o carro no box antes de dar uma volta sequer e foi embora. Foi substituído por Bird Clemente.

Christian foi convidado então para correr a Mil Milhas em dupla com Chico Landi, ao volante do FNM JK nº 28, e venceram a corrida. Poucas voltas antes de receber a bandeirada, quis passar o volante a Chico Landi que recusou.

Fez mais três corridas com Chico e o JK, sendo que na última já estava trabalhando na Willys. Em 1961 casou-se com Maria Waltraud, com quem teve uma filha -Betina- nascida no começo de 1962.

No início da década de 1960, quando visitava o Salão de Paris, William Max Pearce, presidente da Willys Overland do Brasil, se encontrou com o preparador Jean Rédéle, e dessa conversa nasceu a ideia de desenvolver o projeto Alpine A-108 no Brasil. Ao voltar ao Brasil, Pearce procurou o jornalista e publicitário Mauro Salles e conversaram sobre essa possibilidade. Estava nascendo o Willys Interlagos.

Ao final de 1961 Christian, já um dos mais consagrados pilotos nacionais, com muitas participações em provas internacionais, foi convidado por Max Pearce para ser gerente do Departamento de Carros Esporte da Willys, onde começou em setembro. Foi este departamento que desenvolveu o Willys Interlagos, e conseguiu com sua competência e conhecimento eliminar várias deficiências do carro.

A idéia de Pearce era manter o nome Alpine mas por sugestão de Mauro Salles, o carro foi batizado como Interlagos”. A Willys apresentou o carro no II Salão do Automóvel, realizado ainda no Ibirapuera em outubro de 1961 em três versões: Cupê, Conversível e Berlinetta.

No início de 1962 Christian foi incumbido de montar e organizar o Departamento de Competições da Willys, onde foi gerente e piloto. Passou a correr com as Berlinettas Interlagos, estreando o carro em competições no “I Mil Quilômetros de Brasília” em 1962, ao lado de Aguinaldo de Góes Filho. A competição tinha largada à meia-noite e Christian, que tinha muita experiência nas pistas europeias onde já havia participado de muitas provas longas, inclusive de Le Mans em 1959, estava tranquilo de conseguir um bom resultado.

Nessa prova, Camilo Christófaro largou na frente. Seu hábito era nunca dar passagem, e Christian sabia disso. Por isso, fez um longo trecho com os faróis apagados para não ser visto por Camilo, e só quando entrou numa curva ao lado do “Lobo do Canindé”, acendeu os faróis. Mesmo assim, chegou em terceiro lugar, atrás de dois JK muito mais potentes.

A equipe Willys teve grande importância no automobilismo brasileiro, revelou pilotos que fizeram história nos anos 1970, entre eles Wilsinho e Emerson Fittipaldi, e José Carlos Pace. A Willys participou e venceu várias corridas com os Interlagos, Gordini, 1093 e com o Landi/Bianco/Gordini de Fórmula Junior.
Como chefe de equipe, era muito sério e dedicado. Em 1963, na “II 12 Horas de Interlagos” se inscreveu nos três carros da equipe, os Renault 1093 nº 40, 41 e 42, dividindo o volante e a responsabilidade com os outros pilotos da equipe.

Depois dessa prova participou com uma Berlinetta da “I 12 Horas de Brasilia”. Quando o motor da Berlinetta quebrou uma mola de válvula e parou, ele passou a pilotar também o Gordini da dupla Luiz Pereira Bueno e Francisco Lameirão. Essa foi sua ultima corrida no Brasil.

Em 1963, já consagrado como piloto e chefe de equipe, foi convidado para participar mais uma vez da “24 Horas de Le Mans”, com um Alpine M63 Renault oficial da Equipe Alpine. Havia rumores que ele vinha pensando em parar de correr, mas aceitou o convite. Pintou faixas longitudinais com o verde/amarelo e escreveu na lateral: “Equipe Interlagos – Alpine”.

Dia 8 de junho às 20 hs. embarcou com a esposa para Paris, de onde foi para Le Mans. Seu plano era tirar 15 dias de férias na Europa após a corrida; seu parceiro para Le Mans era o piloto José Rosinski.

Dia 15 de junho de 1963, às 15 horas. foi dada a largada, mas aproximadamente às 20h20m, quando Christian liderava na categoria de 700 a 1000 cm3, e na geral era 3º colocado, o Aston-Martin de Bruce MacLaren e Innes Ireland, pilotado por Ireland, perdeu óleo na pista. Os três carros que vinham atrás derraparam e saíram violentamente da pista, chocando-se.

O carro de Bino, depois de bater num outro carro, capotou várias vezes, bateu num poste de iluminação e pegou fogo, ficando o piloto preso nas ferragens, provavelmente desmaiado. Os bombeiros tiveram dificuldades em aliviar o fogo e retirá-lo. Foi levado com para o hospital, onde os médicos constaram que ele já estava morto.

Os destroços do seu Alpine continuaram queimando ao lado da pista. Os médicos legistas afirmaram que o piloto faleceu instantaneamente, em conseqüência dos ferimentos na cabeça, e que depois teve o corpo parcialmente queimado. Sua esposa, pai e Max Pearce, assistiam tranqüilamente a competição quando receberam a terrível notícia.“Sua corrida era magnifica e o carro correspondia perfeitamente. Foi uma tragédia”, afirmou Rosinski, seu companheiro de equipe.

O corpo de Bino foi transladado para o Brasil e sepultado dia 27 de junho no Cemitério do Redentor, em São Paulo, SP. numa cerimônia muito concorrida. Christian foi um dos maiores pilotos brasileiros. Sem ter as oportunidades que surgiram a partir do pioneirismo de Emerson Fittipaldi, conquistou destaque no Brasil e no Exterior. Era um piloto rápido, bastante técnico, que todos se esforçavam em copiar.

Wilsinho Fittipaldi, seu amigo e admirador, confessou ter batizado o filho com o nome de Christian em homenagem a ele.
“Esse garoto é o tipo de piloto que jamais morrerá na pista”, afirmou Jorge Lettry em entrevista muito antes do acidente, referindo-se às características de frieza, domínio do carro e prudência, sua alta habilidade e reflexos.

O destino, porém, contrario Lettry. Bino virou história, e deve sempre ser lembrado como o elo ente as gerações de Chico Landi e Emerson Fittipaldi.


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